Esses dias, sem querer, me peguei pensando que sou um cidadão-médio. Digo... Uma vida nem tão agitada, nem tão morna. Nem apolíneo, nem dionisíaco. Nem fanático, nem ateu. 40 horas semanais de trabalho. Jogos de futebol uma ou duas vezes por semana. Nem de longe rico, nem de longe pobre. Mais ou menos politicamente correto. Daqueles que sabem um pouquinho de tudo, mas não sabe nada profundamente. Lendo mais as manchetes do que as notícias. Sabendo mais ou menos como o mundo anda.
(Incômodo...)
(Mais alguns segundos de incômodo...)
De fato, ser médio incomoda. Não fosse assim, não nos ofenderíamos com o termo “medíocre”, cujo sinônimo lá está no dicionário: “mediano, sem relevância, comum, ordinário”. De todas as mentiras que criamos para que nossa cabeça acredite que isto tudo (o mundo, a vida e nossas ações) faz algum sentido, a ilusão de sermos especiais deve ser a mais presente em nosso imaginário: “cada pessoa é única”. Até em “destino” o mais cético, por mais que negue, dá um jeitinho de acreditar.
Mas não desviemos o assunto... Este blog não deve fazer tanto sucesso, não terei a face gravada em uma estátua, nenhuma rua ou praça será batizada com meu nome, minha morte não será passível de homenagens, não governarei um município, não serei lembrado por uma geração, não serei uma celebridade sequer instantânea.
Tudo bem, se o macro não resolve, apelemos para o micro, os sonhos pessoais. Uma casa confortável e aconchegante, filhos brincando na varanda e matriculados em uma boa escola, um trabalho que me realize pessoal e profissionalmente, uma moça que me afague nos maus momentos, um carro econômico, o mínimo de problemas de saúde, uma família presente, uma morte sem dor. Sonhos médios.
Um pensador fora de moda – não direi seu nome pela falta de rigor, alguém pode se ofender – disse em sua época que a “classe média” teria uma certa tendência a se enxergar como a classe mais “legítima” da estrutura social. Isso por estar no centro das contradições da sociedade capitalista. O homem “classemediano” é explorado no trabalho e tem empregada em casa, sendo ao mesmo tempo é trabalhador e patrão. Impostos, violência, corrupção, inflação, “quem sofre sempre é a classe média”! Essa classe tem para si a ideia de que seus pensamentos, traduzidos em palavras, representam os anseios de toda uma sociedade. E, pela relevância que acredita que tem, a classe média é, normalmente, avessa às transformações. Percebem? Até a classe que obteve o título de “média” quer crer que pode ser algo mais que isso.
O fato é que as linhas métricas de um mundo métrico nos mediou, cidadãos medianos, e médio estamos, contando sílabas, procurando rimas que encaixem nisso tudo. Fizemos do médio uma busca, um padrão de qualidade, um status. É confortável ser médio, confesso. E assim, entre médios satisfeitos e outros tantos que almejam ser médios, o mundo se mantém, como nos conformes.
Assim nos construiu a história...
Mas para se construir a história, é preciso dar um passo adiante, e deixar de ser médio.
E você, quantas poesias de versos livres passaram por sua vida nos últimos dias?
Ah, inércia, me deixe vai...
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Classe Média
De Mário Benedetti (Clique aqui para o texto em espanhol)
meio rica
meio culta
entre o que crê ser e o que é
media uma distância meio grande
Do meio mira meio mal
os neguinhos
os ricos os sábios
os loucos
os pobres
Se escuta um Hitler
gosta mais ou menos
e se um Che fala
também
Em meio ao nada
meio que duvida
como tudo a atrai (a meias)
analisa até a metade
todos os fatos
e (meio confundida)
sai às ruas com meia panela
então meio que chega a se importar
com os que mandam (meio nas sombras)
às vezes, só às vezes, se dá conta (meio tarde)
de que a usaram como peão
em um xadrez que não compreende
e que nunca a converte em Rainha
Assim, meio raivosa
se lamenta (a meias)
de ser o meio do que outros comem
dos quais não consegue entender
nem a metade.
7 palpites:
Incomodou...
Cito Clube da Luta: "VocÊ não é especial. Você não é a porra dum floco de neve único."
E nem por isso a vida deixa de ser divertida ou interessante!
Talvez ao Mekaru: Nem por isso um "bom senso no humor" deixa de ser classe-mediano, né?! Mesmo 'por que' Clube da Luta é bem classe-mediano-vamo-virá-essa-joça. Hollywoodyanismo consciente?! Hum...
Incomodou mesmo,
mesmo assim, apesar do texto estar bem escrito, claro, esmiuçado e tal, não sei, acho que não gostei porque é muito um sociólogo escrevendo. a temática não me agrada. essa coisa de "oh, como eu sofro, o mundo é ruim, quero mudá-lo, mas tenho meus limites, tudo é tão confuso, incerto". dá pra brincar de escrever os tipos ideais, o classe média, o revolucionário de universidade, o acomodado, o ácido niilista e, por fim, podem todos se confundir. parece também um sociólogo quase ressentido, "que queria se filiar ao PSTU, mas que é capaz de concordar com algumas posturas do PSDB"... só pra ficar no mesmo jogo de palavras que a ideia de "classe média" proporciona. no limite, é uma questão de preferência, eu não gosto da temática. prefiro um tom existencial pra coisa, por exemplo, com Clarice Lispector... :P essa tal de "sociedade" é um assunto chato... sei lá...
talvez porque eu não entenda e nem me prenda as ideias de "classe média", ou simplesmente, porque tenha interiorizado e passei a "viver assim". aliás, eu gosto do uso da primeira pessoa nos textos, mas aqui me causou um estranhamento grande, não consigo te enxergar neste texto, ou se te vejo, digo "ah, para de gracinha, vai, Chinês!", não levo a sério. o que é bom pra você, e ruim pra mim como leitor, que não consigo ver a criação e inventividade da parada, tomando como piada sem graça do bolivionês.
Mekaru, tontom insuportável, sua poliana!
"Quem me vê sorrindo
Pensa que sou alegre
mas o meu sorriso
é por consolação
Por que sei conter
Para ninguém ver
O pranto do meu coração"
Hugo, você não pode me criticar pelo que me conhece, oras.. Não fui eu, foi meu eu lírico hehehe... Mas foi mais um relato a partir do incômodo que esse poema do Mario Benedetti (que apesar de estar no fim, oi o começo de tudo) me causou..
O fato é, que não aceito a crítica em que você parte da ideia de ser um sociólogo ou por não me enxergar no texto. Mas tudo bem você preferir tipos ideais (como o meta intelectual) ou o existencialismo. Entendo, mas não era o que veio na hora, paciência.
Beijos..
Estou com o Chinês. Não basta a crítica a partir do que se conhece, ou do que se pensa ser a pessoa...
O texto está bem escrito mas não me tocou. O poema sim (talvez porque eu goste mais do Benedetti do que do Chinês, hehehe - escrevendo é claro!).
Independente, algumas afirmações nos vestem carapuças. Isso nos faz sentir como tipos ideias mais do que caricaturais, reais, vivendo nessa tal "sociedade" classe mediana...
Pois a "crítica" é também uma forma de elogio, oras... Só estava tentando expressar o meu incômodo, sei lá... não é uma crítica no sentido da discordância, e também só não prefiro quando a gente fala de coisas "classe média" falando de classe média, acho meio "putz, não precisa lembrar, é pressuposto... vamos adiante disso, adiante: diga mais, conte-me..." tal como se fosse um analista-leitor... hehe
Beijos
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