VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Caubói e o Cão...

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários

A nova do dia é que o governo do Novo México está estudando um possível perdão a “Billy the Kid”, mais de 130 anos depois de sua morte. Se a discussão permaneceu após tanto tempo, isso se deve principalmente pela grande admiração que ele possuía – e possui - por parte da população americana mais pobre, que, inclusive, o ajudou em uma de suas lendárias fugas, quando fora condenado ao enforcamento. Seu primeiro grande ato de coragem fora comandar uma quadrilha cujo objetivo, cumprido com êxito, era o de exterminar uma gangue ligada a grandes proprietários rurais para vingar um rancheiro amigo seu. Isso com míseros 19 anos, daí o “the kid”. O fascínio do povo era tanto que, em uma das cartas que escreveu ao governador exigindo liberdade, o “gângster” reclamou que policiais estariam cobrando ingresso para que as pessoas visitassem sua cela.

Dizer se é justo ou não o perdão a “Billy the Kid” é a mesma tolice que discutir se Capitu traiu ou não Bentinho. Pois tanto não é essa a questão mais importante para a lenda do caubói americano, como também não está na confirmação (ou não) do adultério o sublime da obra machadiana. Mesmo assim, o fato de a discussão estar em pauta, aguçou minha curiosidade. Perdoado ou não, Billy tornou-se livro, filme, música, bate-papo de esquina e incrustou-se no imaginário popular global. Ao ler a reportagem, lembrei-me que eu costumava chamar meu “feroz” poodle de “Billy the Killer”, fazendo um trocadilho com a alcunha do caubói e dando uma conotação de valentia ao pequenino cão, o que causava graça aos que presenciavam a cena. Eu particularmente nada sabia de concreto sobre a biografia do maior mito do velho oeste norte-americano, mas sabe-se lá porque seus valores estavam em minha cabeça.

Talvez porque a história de Billy – o caubói, não o cachorro – esteja intimamente ligado a temas universais, como vingança, injustiça, corrupção, lealdade e a morte. Por suas ações foras da lei, que deixavam os bons costumes de lado para assumir o compromisso com um valor ou causa justificáveis, pode ser designado como um típico anti-herói. É, neste sentido, um microcosmo de Meneghetti, o bom ladrão paulistano, e talvez um sucessor de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres. Ou quem sabe não tenha influenciado Zorro, que transforma o Sargento Garcia em vilão pitoresco. Há que se lembrar também da figura de Lampião, o rei do cangaço brasileiro.

Enfim, Billy - o caubói e o cachorro - cumpriu sua missão na terra, ao mostrar que a realidade estrita não pode impedir o alcance de nossas ações. Não é preciso estar dentro dos padrões morais e normas vigentes para se fazer o justo. Não é preciso ser grande para ser valente. Talvez por isso minha admiração...

Por ambos.

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Billy the Kid, o caubói, morreu ao ser atingido por tiros à queima roupa em 1881, pelo sargento Pat Garrett, o mesmo que escreveu sua biografia. Já Billy the Killer, o cão, morreu em 2005, vítima daquelas doenças de carrapatos, que nada puderam escrever sobre o temível cão.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Olhares Cotidianos

. . Por Unknown, com 5 comentários

"Nada me impressionou mais no relato que li, certa vez, sobre os últimos dias da Segunda Guerra Mundial na Europa do que saber que, enquanto as tropas russas entravam em Berlim, em algumas zonas da cidade o leite continuava a ser entregue, os carteiros continuavam a fazer suas rondas, a vida "normal" seguia seu curso. Não sei se achei isso admirável - o poder de resistência ao caos do banal e do cotidiano - ou um exemplo assustador da rotina desconsiderando a História. Viver "normalmente" num mundo em conflito permanente entre riqueza e miséria, privilégio e exclusão, progresso e atraso é a experiência comum de todo o mundo. Isso inclui os desenvolvidos e os sub, inclui todos sem exceção - a não ser, talvez, os escandinavos. Mas mantemos nossas rotinas mesmo sabendo dos bilhões de despossuídos da Terra, incluindo os que vemos pelas nossas janelas. Fazer o quê? Sentimos muito, nos indignamos, votamos em quem promete melhorar a situação pelo menos na nossa vizinhança, mas nossas vidas têm que seguir seu curso. Como em Berlim, o conflito está acontecendo longe do nosso cotidiano. Mas às vezes - como no Rio -, o conflito invade o cotidiano. A rotina é abalroada pela História. Nosso dia a dia não é mais refúgio nem álibi e somos obrigados a enfrentar a realidade."
(Luis Fernando Verissimo, A rotina e a História. O Estado de São Paulo, 9 de dezembro de 2010)

O dia mal amanheceu e, já de pé, é preciso tomar o café rapidamente antes que um possível atraso no trânsito atrase ainda mais o planejamento das visitas. É só mais um quarto indiferenciado, igual a tantos outros no edifício, num prédio também comum a tantos outros. Não, a primeira cena não é o traseiro de uma bela moça deitada num quarto de hotel, como no filme. Se tudo aqui pode ser visto como uma Viagem, um percurso cheio de estranhamento, falta lirismo ao olhar e aos olhares pelo caminho agora. Porque no corredor, ainda que muito cedo, o olhar com o qual se encontra é o mesmo daqueles dias em muitos lugares pela cidade, arregalado, mas ali com os olhos baixos e cravados num canto da parede, como se não prestasse atenção à passagem, embora cumprimente, dê "bom dia" e continue virado para baixo, numa subserviência que se confunde com (auto)repressão sofrida, e um pedido de "por favor, me ignore como sempre", ou "não me humilhe com sua presença". E depois de um "bom dia" quase formalmente obrigado, já no elevador social, com uns olhos que dessa vez não estão baixos, apenas no vazio, pro lado, pra cima, tanto faz, o saguão lhe reserva, além dos tais olhos arregalados, sorrisos de plástico não arregalados ao Senhor. E antes fosse Ele.
- Bom dia, senhor. Posso ajudar?
Após olhar pra trás e para os dois lados. - Bom dia ... Senhor?! (risos de constrangimento) Gostaria de retirar o carro do estacionamento, por favor.
Um carimbo, uma assinatura, e um pedido ao telefone, pronto:
- O veículo está a caminho, senhor. Mais alguma coisa?
- Não, obrigado. Tchau, tchau.
- Tenha um bom dia, senhor.

(Senhor, senhor, senhor... É adorável ser mimado, bajulado, paparicado, no entanto, ser servido é muito diferente. É uma humilhação recíproca, muitas vezes, de algo que alguém poderia muito bem fazer sozinho, mas que outro te faz, simplesmente.)
Curioso funcionários para cima e para baixo com as coisas de hóspede, quando não há necessidade alguma, parece que esperam alguma coisa em troca no final. Talvez um obrigado, valeu, parceiro, não precisava. Mas com o carro que saia na frente ficou um dinheiro na mão do manobrista … ? … Hum, gorjeta! Os sorrisos, a espera de alguns, isso explica expressões de contragosto depois de uma espera ou percurso não retribuído. E a cara de pobre meio que ajuda alguns outros hóspedes, às vezes, quando não, são apenas desprezados mesmo, e o serviço vira um favor. Ironias. Ainda bem que nem todos agem desse modo.

Pé na rua, ou melhor, rodas. A visita estava marcada, a espera é que não estava. Então, nada como conhecer a vizinhança, as pessoas que trabalham no local, interagir, não é mesmo, já que andava com preguiça até pra isso … Os olhos arregalados da vizinha do comércio na frente de nada sabia, somente que ali se juntava um monte de lixo, e “a mulher” logo voltaria pra reabrir o galpão. O simpático patrício de olhos arregalados, protegidos por um impactante par de fundos de garrafa, e que caminhava por detrás do próprio portão de sua casa, disse a mesma coisa, que “a mulher” fora com o caminhão, devia de ter ido buscar mais lixo.

Na calçada, aquela mulher de negro que olhava, arregalada e desconfiada, desconfiada se aproxima pra dizer o mesmo, que “ela voltaria logo”. E a senhorazinha sentada na escada da entrada, enquanto arrastava os olhos arregalados junto ao calcanhar no cimento, resmungava qualquer coisa pela falta de dinheiro. A mesma mulher de negro não era desconfiada, não, o movimento da cabeça era muito rápido, e o tom de voz era diferente agora, muito diferente em poucos segundos:
- Tá, tá, vai pra lá com essa conversa. Vai, vai, fica aí com a tua igreja e o teu Senhor!
(Senhor de novo? Potz … Não, dessa vez é Ele, de fato)
Atravessa a rua, irritada, discute, discute, argumenta, se altera, volta e senta, tudo isso faz sozinha. A senhorazinha sentada não deixa por menos:
- Fica aí falando mal das igrejas do Senhor que cê vai ver só!
(Impossível de acreditar, o sentimento de desespero ensaia dar as caras. De quem é a loucura?)

Caminhar pela rua, abandonando a calorosa discussão deve ajudar a engolir a situação. Mas é bom voltar logo, há outra visita marcada, e longe, claro. Nada lá é próximo, nada, ninguém, tudo é distante.

Ah, “a mulher chegou”:
- Vamos ali no bar, porque como cêis vê, não tem lugar aqui pra gente conversar, só os bag de prástico e papelão que nesse mês nóis num conseguiu vendê tão ocupando tudo, daqui a pouco temô que botar as coisa até na calçada, vai ver.
- Ah, sem problemas. Tomamos uma água, inclusive. Que calor é esse, né?
- Pro cêis vê, daqui a pouco cai aquela chuva de novo …


- Foi uma felicidade pra nóis trabalha na corrida, ah, nem fale, ganhamo cento e vinte reais em três dia. Eles vinha busca nóis lá na central de triagem, cedinho, depois voltamos a noite, deu quase uns quatro reais a hora de trabalho, né?! Era tanto material, tanta latinha, tanto papel, e o material, os resíduo ficou tudo pra gente vender pra recicrage, foi ótimo. Nunca trabalhamo tanto, ficamo atrás dos cesto, embaixo, era muito rápido, as pessoa ia passando, jogando as coisa, e já enchia tudo, trocávamo rapidinho e levávamo pros container, quando chegamo de volta já tava cheio os cesto de novo, e eram grandes, viu, pro cêis vê! Nhá, foi bom demais!
(Quase quatro reais a hora, três dias, cento e vinte reais? Matemática avançada, então foram mais dez horas de trabalho por dia. Se você está dizendo, com os mesmos olhos arregalados, com essa boca de poucos dentes apodrecidos, com esses braços sujos, com esse rosto marcado da sujeira que revira diariamente, e com essa felicidade humilhante pra qualquer ser humano, que trabalhou bastante naqueles dias, então realmente deve ter trabalhado feito um rato, escondido, sem ninguém ver, e mesmo que visível por poucos instantes, sem ninguém perceber. Agora que porra de remédio cê toma pra uma alegria assim?!)
- Expectativa?! Ah, ter um espaço maior pra trabalhar, né?! Cêis estão vendo, né?!
- Sim, sim, tá certo. Muito obrigado, viu, Dona. Vamos indo, então, estamos atrasados já. Tchau tchau.
- Obrigado por terem vindo, viu, corre porque si a chuva que vier pega ocêis, só bem tarde vão chegar no centro. E vão com Deus.
(… não, não, não, Dona, cê não tá entendendo, meu. cê não tá ligada. cê não pode dizer isso, tá ligado, não cola no enredo, saca? cê tem é que ficar com ódio, ódio, ódio, entende? cê tem é que ajudar a botar fogo em tudo isso, porra. que merda! e não achar que tá tudo indo, que vai dar tudo certo, só falta dizer que tudo vai dar "super certo", porque não vai, não tá, não tá, NÃO TÁ …)

Os olhos arregalados bem que podiam entrar numa daquelas categorias antiquadas, ultrapassadas, como se fossem traços, aspectos culturais, atravessando classes sociais, gênero, cor de pele. Afinal, se uma bandeira, se uma cor, se uma religião não define muita coisa, por que cargas d'água o rosto vai definir alguém … ? Assim, grotescamente, a explicação para os olhos arregalados, dos quais nem os orientais ali presentes escapam, seria fruto do volume de informação, da exigência de atenção que a cidade obrigaria, mergulhada em caótica pouco comparável, em confusão fascinante, num entorpecimento estúpido do qual muitos dizem saber a idiotice que é viver ali, mas da qual não saem pelo encanto paradoxal que tudo aquilo propicia, e por medo de perder o que reclamar, isto é, a própria condição. E se existem formas distintas de arregalar os olhos, infelizmente esta não é a de uma menina bonita com cara de sonsa. Naquela cidade imensa o movimento de arregalar os olhos não advém de susto, brincadeira ou diversão espontânea, imagina-se, apenas do cansaço, do medo, do receio, da preocupação, daquilo que alguns nativos chamam de estresse. Se fosse de qualquer alegria banal, o arregalar não traria pelos cantos brancos dos olhos aquelas marquinhas amareladas, pequeninos traços de esforço, de exaustão. Antes, em lugares distantes dali, e ali mesmo, ouvia-se a expressão “introspecção”, ou “ensimesmamento”. Arcaismo, sem dúvida, porque lá, na terra dos olhos arregalados, o ensimesmamento parece comum, é um peso diante dos olhos, como se os forçasse a saltar. A aparente introspecção já não se identifica mais, justamente por ter se tornado natural, tão normal pelas ruas.
Absurdos.

André Dahmer. Malvados

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quem tem medo do Wikileaks?

. . Por Thiago Aoki, com 1 commentário

Julian Assange, australiano fundador do Wikileaks, é a bola da vez e ninguém consegue defini-lo.

Na grande mídia, revistas e jornais se contorcem ao tentar julgá-lo. Ora santo, por gerar furos que todos gostariam de ter dentro do que se entende por jornalismo; ora demônio porque, no fundo, a contestação e liberdade de expressão de Assange vai em sentido contrário ao conservadorismo político dos donos dos jornais.

A esquerda, que não encontrou em nenhum grande autor termo para alcunhá-lo, acaba por incorporar parte das ideias de Assange, ainda tímida e forçando esdrúxulas ligações com Marx, Trotsky, com o movimento comunista transnacional, ou que quer que seja. A direita está dividida. Enquanto alguns deleitam-se por gafes da política externa brasileira e latinoamericana serem trazidas a público, parte dela se revolta com a irresponsabilidade moral do jovem.

O incômodo é tanto que parte dos republicanos estadunidense não aceitam tamanha humilhação e defende a condenação à morte para o "ciberterrorista", "ciberativista", ou simplesmente vagabundo. Até a Interpol já criou fatos e manteve preso o rapaz sob a acusação de (pasmem!) transar sem camisinha. Seguindo a lógica, deveria então indiciar boa parte dos cânones da igeja católica. Aliás, não duvido que, se o Wikileaks anunciasse ter documentos do Vaticano, até o Papa viria a público condená-lo por não usar preservativos.



Assange, com as decorrentes contradições dos discursos dos mais distintos atores sociais diante dos furos do Wikileaks, conseguiu, mais que Nelson Rodrigues, mostrar que, no topo da pirâmide de poder do mundo, todos os faraós têm teto de vidro. O jovem não é um louco ingênuo. Prova disso foi a inteligência que teve em revelar documentos de Dilma após as eleições. Assange, que já possuía os documentos, poderia ter caído na tentação da fama e ser protagonista em uma virada histórica de José Serra, mas teve sabedoria política para não o fazer. Outro exemplo de noção política é o de sempre, em seus discursos, esquivar-se do personalismo e colocar o Wikileaks como uma organização maior que ele, com mais pessoas que lutam pelo ideal de um mundo verdadeiramente livre. Força esta demonstrada por Hackers que se unem em ações pró-wikileaks.

Um impulso corre os dedos que teclam essas letras para nominá-lo como fundador de um novo movimento, independente, organizado e de cunho anárquico. Não o farei. Apenas posso afirmar que sua imponência é uma lição a todos os que se consideram portadores de ideais revolucionários, e deixam de lado o novo, colocando tudo o que surge como modismo e alienação. Assange domina e subverte a onda de tecnologias, redes sociais e indústria cultural com um ambicioso projeto, de difícil contenção.

Que o poder, seu e dos demais, não sucumba estes que esculacham os poderosos..




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Em tempo:

1) Com os diversos ataques hacker aos quais a wikileaks.org vem sofrendo, quem organiza e distribui as notícias do site referentes ao Brasil para a mídia brasileira é Natália Viana, jornalista independente. Ótimas mãos.

2) Veja a resposta, mais uma vez lúcida, de Assange ao pronunciamento de Lula.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Coluna do Leitor - Luzes sombras e cores

. . Por Mistura Indigesta, com 3 comentários

Tenho cá minhas dúvidas se um dia a comunicação entre duas pessoas pode vir ser transparente e cristalina: tudo o que é dito de um lado é compreendido do outro, e eventuais falhas no entendimento logo sanados. Se acaso for possível tal nível de esclarecimento, quero distância.

Em geral, vemos os mal-entendidos sempre de maneira negativa, quase que a origem dos males do mundo - ou ao menos das relações humanas. Não discordo que eles podem acarretar muito desgaste e conseqüências desagradáveis, porém julgo tais conseqüências antes frutos de nossas dificuldades para o diálogo do que do mal-entendido mesmo.

Um mal-entendido pode ser uma oportunidade para um encontro franco com outra pessoa - assim como consigo mesmo, uma vez que pode deixar evidentes certos preconceitos nossos muito ínfimos, mas não menos presentes. Pode ser a chance de uma nova e repentina idéia; a abertura para o inesperado que o contato transparente não deixaria: se tudo é sabido, por que arriscar? No que arriscar?

Meu elogio das sombras - na comunicação, inclusive - é algo recente, tem três anos. Já precisei me vigiar mais para tentar manter um certo equilíbrio entre luzes e sombras - e não jogar luz sobre tudo, como desejo em minha herança iluminista. Hoje já não tenho esse ímpeto luz luz luz e chego, eventualmente, até a perder a medida: semana passada achei que fora cristalino, mas a luminosidade do que eu dissera ficara bem aquém do que eu julgara. O que era para ser sabido, pré-combinado, sem sobressaltos, tranqüilo, num sopro se tumultuou e se desfez ganhando surpreendentes cores inusitados contornos outros significados diferentes perspectivas novas possibilidades - se serão predominantemente positivas ou negativas, ainda não sei, e isso tem também sua graça (da qual faz parte certa angústia).

Voltei para casa perplexo, como ainda estou: como pode da sombra tantas cores? E como pôde eu um dia querer só luz?

Sombras, por favor!

Daniel Gorte-Dalmoro é um chato, um cara que diz que quer trabalhar, mas demonstra mais empenho em fugir de. Enquanto isso tromba com japonesas de um metro e meio, mas sem sucesso escreve textos como este.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Conto retirado de uma notícia de portal

. . Por Thiago Aoki, com 0 comentários

Extra, Extra!

Mensagem oficial destinada ao governo estadunidense é revelada em site subversivo. O telegrama foi enviado ao presidente dos Estados Unidos por um importante e condecorado membro do alto escalão da inteligência ianque. Segundo informações do site, o mesmo fora mandado para terras tupiniquins há três meses, com a missão de entender o modo de vida do maior país da América Latina. No trecho traduzido abaixo, o “espião” relata detalhes da política interna brasileira ao chefe de Estado norte-americano:

Caro presidente,

É preciso ficar atento ao povo brasileiro.


Temos que desmistificar a ideia de que o brasileiro tem memória curta.


É mentira.


Tampouco é hospitaleiro ou gentil.


Tudo mentira.

É um povo rancoroso, que pode nos trazer futuros problemas.

Para se ter uma idéia, senhor presidente,


No Brasil, são necessários anos, décadas


Para quase se esquecer uma paixão,


E apenas o intervalo de um samba cadenciado


Para relembrá-la inteiramente.


É preciso ficar atento, senhor presidente.”



O presidente dos EUA negou a autenticidade da carta. Já a presidenta brasileira ressaltou que o episódio não abalou o relacionamento entre os países.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Esquina, caixas e luzes

. . Por Unknown, com 2 comentários

Dos dois lados, muitos se empoleiram momento a momento, inúmeras vezes durante o dia enquanto esperam, esperam o instante em que, depois de poucos segundos, não menos vividos com expectativa, ansiosamente, poderão enfim seguir, ir em frente. Parece uma verdadeira guerra, as trincheiras estão a postos, marcadas pelos primeiros corpos em linha, perfilados. Atrás dos primeiros, homens e mulheres, linhas e linhas de outros corpos estão aglutinados caoticamente, quase já amontoados, eles também aguardam. São duas multidões, artilharias opostas, frente a frente, e que transpiram ávidas pelo sinal que lhes permitirá partir de encontro uma a outra. Porém, o vermelho que, de um lado, poderia anunciar o sangue de uma guerra de fato, não, somente pede para aqueles que se encontram protegidos dentro de suas armaduras parem com seus veículos potentemente motorizados. O vermelho também traz o verde que os corpos perfilados tanto desejavam, e esta mesma cor ainda os libera para seguir, simplesmente.

Se faltam armas de fogo, sobram pisões, encontrões e empurrões, quando não, beliscões e um carinho discreto entre os mais íntimos, todos que vão de uma calçada a outra. Privilegiados, os motoristas assistem àquele verdadeiro desfile frenético, quase relâmpago, que os passantes realizam nos poucos segundos de intervalo para um novo arranque dos automóveis.

Enquanto isso, a luzinha verde, que possibilita aquele intenso movimento de pedestres, vem de um homenzinho de dentro de uma caixinha. É o semáforo, ou farol, como quiser. Sem sair do lugar, o homenzinho caminha dentro da caixinha quando se pode atravessar a rua. Acima dele, correm os segundos para que também os carros possam ter permissão de seguir caminho novamente. O clímax de tudo isso surge quando faltam somente três segundos para se acabar o tempo de travessia dos andantes, então a velocidade do homenzinho verde aumenta bastante e ele aperta o passo dentro da caixinha do semáforo. Ele corre.

No desespero, será que ao invés de fugir dos carros que vão começar a passar rapidamente, vruumm, vruumm, vruumm, o homenzinho não pode acabar atropelando a si próprio?

É o que se pergunta de dentro de outra caixa um pouco maior, um pouco mais acima de todo o suceder, o Coleirinha. Ao lado dele, um velho senhor têm os olhos também naquela direção, do cruzamento, na pressa de todos em aproveitar os segundos que restam antes de um novo interrompimento da passagem. Porém, mesmo que repousando os olhos ali, o pensamento do velho parece encerrado em qualquer outro canto, talvez dentro de si, ou da sacada em que está. Possivelmente, ainda, tenta responder a si próprio o que o teria trazido até ali, sem ao menos conseguir ouvir os tantos Trica-Ferros, Pintassilgos e Curiós das gaiolas ao redor.

Cansado, sem ouvir seu próprio piar, o Pintassilgo tenta inventar uma biografia para o senhorzinho, pensando em quando o velho ainda tinha forças para estar ali embaixo, entre aqueles tantos de um lado para o outro. Sem conseguir imaginar muito o enredo, ou a trama, o desfecho da história dele já estava pronto, de uma ironia tristemente realista. O velhinho passou a vida toda admirando o canto dos pássaros e hoje é ele quem está preso, tal como os pássaros, atrás das grades da sacada de seu apartamento, em silêncio, com os olhos que não mais reparam, apenas se distraem no fluxo a que pode assistir.

Mas o sinal fecha para os pedestres, novamente, e tudo se reinicia. O som dos carros é maior que o de pessoas, e outro movimento começa na sinfonia nada harmônica da esquina.

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