segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Poesia Cantada

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários

Quebro minha cabeça pensando por que a poesia está em baixa. Não só o seu consumo, mas sua produção. É claro que olhar a prateleira de uma livraria não é a melhor forma de compreender a arte, mas poucos novos poetas surgem, inclusive nos blogs da vida. Todos sonham ser escritores, poucos poetas, estes já são espécies raras dentro ou fora de nossa indústria cultural. A indagação é recorrente a qualquer pessoa que pense nossa literatura. Em uma fala que tive a oportunidade de presenciar, de Antônio Cícero, um de nossos poetas contemporâneos, ele afirmou que a poesia não é como outros os demais campos artísticos, pois necessitam de uma interpretação peculiar, não basta ler um poema para ler um poema, despende-se tempo e subjetividade na sua compreensão. O esforço exigido é muitas vezes caro ao pragmatismo de nosso cotidiano cada vez mais frenético. Em uma poesia de Drummond, por exemplo, encontramos muitas figuras de linguagens, trocadilhos, brincadeiras com o ritmo e com a forma, uma fluência particular e complexa em suas entrelinhas. Além disso, tem uma questão educacional que está diretamente relacionada à poesia - o modo como aprendemos literatura em nossos colégios é o mais chato possível (não entrarei no mérito da questão por hora).

Estou de acordo. Porém, há um fator também importante por demais e que muitas vezes não é colocado na discussão, que é a oralidade. O individualismo, de trancafiarmo-nos em nossos cantos e encantos, enclausurando-nos cada vez mais em nossas especializações também apunhala nossa literatura. Um projeto interessantíssimo que pode exemplificar é a Cooperifa, sarau realizado na periferia. Com a preocupação de tirar a poesia do altar, e neste sentido diferencia-se dos saraus tradicionais, busca-se que pessoas "comuns" possam pensar e fazer poesia, independente da "instrução". E é o ritmo oral e não o escrito, que possibilita a ascenção da poesia, em um lugar em que a tradição não permitiu. (vale também conhecer as Edições Toró que têm publicado e disponibilizado para download boa parte desses novos poetas).



Outro exemplo da importância da oralidade é Patativa do Assaré, nordestino, um dos maiores poetas brasileiros do século XX, que fazia seu poema feito música, cantando. Patativa pouco conhecido foi, e ressurge, com atraso, após sua morte. Diz que ele, tardiamente alfabetizado, não gostava de escrever os poemas, pois só gostava deles quando falado, cantado. O próprio Wikipedia nos alerta: "A transcrição de sua obra para os meios gráficos perde boa parte da significação expressa por meios não-verbais (voz, entonação, pausas, ritmo, pigarro e a linguagem corporal através de expressões faciais, gestos) que realçam características expressas somente no ato performático (como ironia, veemência, hesitação, etc.)".



Por fim, para não ficar apenas nas exceções, volto a Drummond e seu belo poema erótico "A Lingua Lambe".

A Língua Lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

O ritmo e aliterações (repetições de fonemas, no caso as sílabas com "L") impõem ao leitor, desavisado, que faça com sua língua e boca o movimento do sexo oral, termo que em nenhum momento aparece escrito estritamente, a não ser por metáforas preciosas. Porém, se você está lendo "de cabeça", na tela de seu computador, provavelmente perderá boa parte de seu conteúdo.

Por esses todos e pela sobrevida do poético, se for ler poesia, em prosa ou verso, cante-a, mesmo que baixinho.

4 palpites:

"Quebro minha cabeça pensando por que a poesia está em baixa. Não só o seu consumo, mas sua produção."
Não concordo. Como assim, poesia em baixa, na sua produção?
Se faz poesia a todo momento. Se se publica (e também apenas os mesmos nomes), ou não, é outra conversa. Sabemos que existem poetas, muitos, e bons, por exemplo, na cidade de Campinas, Thiago. Você mesmo já os citou em outro post aqui.

Quanto a conversa de Antônio Cícero com Drummond, no seu texto, fica complicado cometer a heresia de discordar. Mas é muito difícil concordar com eles, ao mesmo tempo. Paradoxalmente, então, melhor assumir a sua posição mesmo, lembrando que nem sempre a coisa vai por esse caminho, por exemplo, com Patativa. E com o Cooperifa, também, que você já tinha trazido em outro contexto.

Agora, completamente desnecessária a brincadeirinha com o Drummond no final do texto, hein, mano...

Beijoooo

Aliás, Thi,

Se ampliarmos o teu raciocínio inicial, acho que é por assumirmos posturas como a de Antônio Cícero/Drummond, que você, de alguma forma, construiu no texto, é que, talvez, sejam mais ou menos desprezados de maior publicização poetas como Mário Quintana. Sujeito de Alegrete muito, muito rejeitado pela tar da ABL. Instituição que não serve lá de muita base, também. Pois, me perdoem os leitores e admiradores de José Sarney, como o falecido Lévi-Strauss (:/), mas não cola um cara como o ex-presidente ser membro da Academia. Tudo bem, admito, nunca li o atual senador, vou queimar no inferno mesmo, mas que não cola, não cola.
Outro que é pouco lembrado, o curitibano Paulo Leminski.
Enfim, daí lembramos de figuras como Patativa, Sérgio Vaz, etc etc etc, colocando-os como exemplos quase que folclorizados da cultura poética, senão "marginais". Classificações e epítetos muito infelizes. E calma, não estou dizendo que você fez isso, só estou tentando me explicar, no porque não gosto da postura adotada.

Abração

Este comentário foi removido pelo autor.

Eu acho que a poesia está em baixo. Sua própria leitura. Não é feticihismo dos anos 60/70, mas o gênero, diante de outras linguagens artísticas tem perdido sua cotidianidade. Como disse, a estante da livraria não é parâmetro para avaliar a produção artística, mas ajuda a termometrar. Também não é um texto de mera concordância com a posição de Antônio Cícero, mas de complexificar o posicionamento um tanto quanto superficial. Tampouco é saudosista até porque, nada mais contemporâneo que a Cooperifa, por exemplo. Certa vez, lembro de um teórico dizer que "bom era a época da grécia, onde as pessoas tinham que decorar a Ilíada na escola". Graças a Deus que não temos que decorar a Ilíada,não é esse o ponto. Espero, inclusive, que esteja acontecendo um movimento quase que involuntário de revitalização da poesia e que o gênero volte a ascender. Mas voltando ao "marginal", eu gosto dessa classificação, mas, calma, isso fica pra outra discussão.

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