Paralelamente ao glamour espetacularizante da bienal do livro, um grande lançamento de pequeno alcance: a Revista Miséria número 4. Devorei-a em coisa de 15 minutos, mas até agora não consegui digerí-la. Isso porque pensar na miséria dói, seja por culpa reprimida ou por saber-se miserável, ainda que não em um aspecto não monetário. A crueldade dos quadrinhos miseráveis nada misericordiosos enclausura-nos num canto do cômodo, põe a faca em nosso pescoço e pergunta até quando ser conivente. Com desenhos que trafegam dos traços sutis ao "cru-que-incomoda", coloca-nos a pensar, em forma e conteúdo, em arte e mundo, em necessidades e ostentações. Certo dia alguém me pegou de surpresa: é preciso resistir, mas resistir a quê? Para os cartunistas, a resposta, me parece clara: à (ir)racionalidade do mundo do trabalho.
As contradições, feridas que incomodam, expõem-se em seguidos choques. Ricardo Flóqui, Batata e João da Silva, os três incansáveis quadrinistas, parecem ter uma sinergia intensa. Todas as páginas fluem e todos os quadrinhos se convesam, fazendo da miséria - a revista e a categoria - algo sólido e contagiante. Parece-me que ler a Miséria é também passear inconscientemente por nomes que exaltam a crítica social - como Edgar Vasques, Quino e Glauco - ou que destacam o politicamente incorreto - como Allan Sieber, André Dahmer, Fábio Moon e Gabriel Bá. Também é um pouco tarantinesca, por que não? Cabe ressaltar que esta quarta edição tem um salto editorial gigantesco para as demais. Primeiro por intercalar-se com textos, poesias e trabalhos externos, todos de alta qualidade (como o de nossa última "Coluna do Leitor"). Segundo pela qualidade da impressão que, cada vez mais, ruma à possibilidade de um mercado que faça os criadores da revista, finalmente, realizarem o principal sonho de suas vidas: viver de quadrinhos.
Além do trabalho editorial, os incansáveis e insaciáveis miseráveis, cujo dia parece ter mais de 24 horas, participam de movimentos sociais, fazem oficinas de quadrinhos, ocupam espaços públicos e ainda arrumam tempo pra cantinar.
Além do trabalho editorial, os incansáveis e insaciáveis miseráveis, cujo dia parece ter mais de 24 horas, participam de movimentos sociais, fazem oficinas de quadrinhos, ocupam espaços públicos e ainda arrumam tempo pra cantinar.
A Revista Miséria pode ser adquirida por míseros e injustos R$3,00 na Banca Central (Barão Geraldo - Campinas), no HQ QG (em frente ao Restaurante Universitário da USP), no site oficial do Miséria HQ, no Sebo Galpão (Barão Geraldo), no Pagode do Souza (todas as segundas à noite no IFCH - Unicamp), na Banca Túnel do Tempo (Taubaté), entre outros locais obscuros.
Em tempo: nós do Mistura Indigesta fizemos, cerca de 5 meses atrás, uma extensa entrevista de boteco, regada à água de coco e suco de laranja, com os cartunistas do Miséria, porém ela ficou muito extensa e com necessidade de censura e edição (hehehe), coisa que foi impossível ocorrer, por isso nossa dívida com o grupo, que pagaremos em algum botequim campineiro.
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Se você possui ou conhece algum projeto que mereça ser divulgado, contate-nos pelo misturaindigesta@gmail.com e divulgaremos gratuitamente.
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3 palpites:
undergrouuund
Também acho, anônimo...
Acho, também, comigo, que muitas coisas são clichês, mais-do-mesmo, blasè, enfim... acho até, arrogantemente, que algumas coisas são repetições... só repetições... depois me pego perguntando o que não é(?)...
Acho que a Revista Miséria é, inclusive, clichê em alguns momentos, sabe, trata algumas questões sobre a pobreza, ainda, dentro de uma chave da vitimização, em outras, exagerando em coisas sobre o papel do indivíduo, noutras com a sociedade... e vejo a lógica da culpabilidade atualizada de uma maneira meio estranha...
Depois me dou conta, são questões ali diárias, repostas insistentemente a todos nós em nossos fluxos cotidianos de alheamento, que justamente pela inércia, são de fato naturalizadas...
Me dou conta, ainda, de que, talvez, a insistência em algumas classificações, como clichê, blasè, etc., reduzem a parada toda em epítetos fáceis, não discutem as coisas em si... Só depois de esquadrinhar determinada coisa dá pra dizer o que ela é, ou parece ser... antes disso, ao dizê-las, parece que atualizamos aquela tal inércia, verdadeiramente, banalizando alguns trabalhos pela sua limitação, seu alcance de publicização...
O fato da Miséria ser vendida apenas em Campinas, torna-a, de fato, restrita. Mas isso é uma situação e não uma condição...
hugão: não entendi patavinas do que você disse...
Smac
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