segunda-feira, 5 de abril de 2010

Na madrugada distante de uma noite paulistana aos arredores da vida sexual

. . Por Fábio Accardo, com 3 comentários

Dessas minhas última andanças, conto a que mais me chamou atenção. Talvez não deveria ter chamado atenção. Digo isso por dois motivos: o sair de noite com amigos para bares e terminar a noite bêbados em um puteiro (o chamo assim para ficar sem meias palavras, bem entendido e parar com a conversa do politicamente correto) não pode ser considerado um programa muito distante do “normal” da realidade de muitos adolescentes ; além disso, o tal roteiro cabe muito bem quando se tem na turma um dos amigos que está prestes a cometer um suicídio social e confirmar seu matrimônio. No entanto, à minha realidade é uma coisa de chamar a atenção, e, talvez pelo “olhar sociológico/antropológico”, ou mesmo meu posicionamento político/ideológico a cerca da situação, vivi certo estranhamento aquela noite. Noite não mais feliz de minha parte quando pude “perder” umas horas com uma companhia, em um dos “bares” do roteiro, trocando uma idéia com uma das profissionais do sexo que trabalhava no local. Digo feliz pois, se for realmente verdade, tive a sorte de poder conversar sobre a situação da Andréia (nome fictício, pois não me lembro muito bem e não colocaria o nome que ela me disse aqui) e os porquês de estar ali.

Muitos (talvez não nossos queridos leitores! Ai!) poderão ver tal rolê como uma perda de tempo, já que existiriam centenas de pernas capazes de dar prazer a qualquer marmanjo que ali se encontrava. Confesso que me senti num mundo muito próximo das histórias, ou do ideário do autor livre/autônomo paulistano Ricardo Carlaccio. Porque numa dessas poucas noites que passo em bares de Sampa, tive a sorte de poder contribuir com seu trabalho e comprar o último livro do mesmo escritor, “Dois minutos de Gasolina para a Meia-Noite”. Seja no livro, ou em seu blog, as mulheres parecem estar sempre com as coxas molhadas e prontas para o sexo. De forma espontânea, sonhos adoslescentes se misturam com uma trajetória bitnik (daquelas tiradas de livros como “On The Road”, ou “Pé na Estrada”, de Kerouak), em que mulheres, viagens, e velhos aparecem pela estrada para comentar a condição da vida. Nessas histórias, carros se entrelaçam com o poder do tempo (conceito bastante marcado em várias das narrativas) e deslumbram contos meio machistas, meio homofóbicos, meio rebeldes, meio de esquerda, meio intelectuais, meio qualque-outro-tipo-de-formatação-crítico-intelectualóide-que-possamos-enquadrá-lo. Enfim, vale a pena conferir e, além do mais, Ricardo Carlaccio deve uma entrevista para o nosso blog.

Voltando ao roteiro noturno, de uma quinta-feira descasada, as mulheres ali presentes pareciam prontas e dispostas a qualquer apetite sexual que lhes propusessem. Retomo o que disse antes, meu olhar, minha condição, minha formação e “todo o meu tato com as mulheres” (RS!), me colocaram na situação de trocar uma idéia com uma delas. Eram seus primeiros meses em tal profissão, o terceiro, se não me engano, e sua primeira noite naquela casa. Ela não se mostrava contente e nem disposta a realizar seu trabalho. A conversa se estendeu até o fechamento da casa: contou-me que não gostava e “não era para aquilo”. Tinha uma filha e queria logo arranjar um emprego para dar sustento à filha por outra situação. Às vezes, aquelas pernas nem sempre estão tão molhadas e dispostas a qualquer coisa ... e uma conversa franca acaba acontecendo na noite paulistana ... Ela disse, ainda, que dali, depois do fechamento da casa (que, segundo ela, era comandada por um maluco que não a via com bons olhos e que as outras meninas estavam a matando com os olhares, naquele instante), iria para uma boate próxima, onde poderia se divertir e, talvez, “arrumar uma fita” de forma mais tranqüila. Não obstante, o nosso roteiro, “de jovens numa noite paulistana”, passava pela mesma boate, mas não mais a encontrei na noite.

Depois de um energético com vodka, para acertar meus olhos pendentes ao sono infinito, caminhamos até a porta da tal boate. Que estranhamento sem tamanho ao sentir um encontro de interesses tão distintos num só lugar: procura por sexo (óbvio!), lugar para dançar, encontro de amigos, espaço propício para o uso e venda de drogas, bonados e pé rapados, intelectuais e nerds, mulheres, homens, bis, heteros, homos, trans, gays, viados, dentro de um lugar que parecia desafiar aquela lei da física que diz sobre matérias no mesmo espaço. Poli-dance, misturado a axé, pagode, putzs-putzs (vulgo tecno!), rock, entre outros ritmos animavam aquela noite que parecia mais uma na vida de muitos que ali estavam. A mim era uma noite que chamava a atenção, estranha e um pouco divertida.

Pode parecer que quero administrar a minha distância daquelas situações e das pessoas ali envolvidas. No entanto, o envolvimento era constante, as situações de oferecimento e “esfregação” raramente faltavam. Agora poderá parecer uma posição machista sobre tal realidade, mas não sinto nenhum tipo de prazer sexual nessas situações. Sou um modelo ultrapassado que não foi criado por tios que me levaram para “tirar o cabaço” em puteiros de beira de estrada nas cidades do interior do estado. Feliz, ou infelizmente, minha trajetória pessoal não me levou a esses encontros, passando uma ou duas vezes por casas mais ou menos parecidas. E curiosamente, também, tive a oportunidade, numa outra “chacrinha”, de trocar uma idéia com outra puta, ou profissional do sexo – como preferirem!

Mas que caga-dáguas esse tipo de relato está fazendo num blog que se diz de arte e cultura? Divulgar um escritor maldito que anda pelas bandas paulistanas da Avenida Paulista e Augusta? Talvez. A idéia era trazer meu relato de uma noite de despedida de solteiro, em que presenciei um pouco da arte e cultura dessa realidade que a mim parece distante, mas que é recorrente na realidade de muitos. Campinas, cidade em que todos os indigestos fizeram a faculdade, é referência no que diz respeito a movimentos por direitos das profissionais do sexo. Cidade onde está localizado ainda o maior centro de prostituição a céu aberto, o bairro Itatinga, na periferia de Campinas, que oferece histórias, experiências de vida, e um caminho político para a situação das mulheres que vendem seu corpo. Cito duas obras que tive contato: a primeira foi uma peça teatral, um monólogo, em que a atriz, formada na Unicamp, passou dois anos conversando com as mulheres, homens e transsexuais do Itatinga para, enfim, montar a peça que traz histórias verdadeiras relatadas por aqueles e aquelas que ali vivem e trabalham. Creio que a peça não está mais em circulação no roteiro cultural campinense, mas pode ser encontrada em DVD, chama-se “Eu quero ver a Rainha”, de Fabiana Fonseca. O segundo fato que chamo de “obra” é uma pesquisa de mestrado de Luiz Carlos Sollberger Jeolás, em que trabalha a auto-representação daqueles e daquelas que trabalham e vivem no Itatinga. O trabalho, “Vendo o corpo, vendo a imagem: a auto-representação fotográfica de travestis e mulheres profissionais do sexo do Jardim Itatinga/Campinas”, trás a história de alguns “personagens” daquela trama e se propõe a mostrar o olhar deles a eles mesmos, através da fotografia. Trabalho que se intitula endógeno, pois a fotografia é utilizada para retirar simbolismos e ser ponto de partida para conversas sobre a realidade dos fotógrafos ou fotografados. No decorrer da pesquisa, foram feitas oficinas de técnicas de fotografia, e disponibilizadas câmeras digitais, que ficaram com esses “personagens” durante um bom tempo, para que pudessem fotografar o bairro, a casa, o trabalho, os instrumentos de trabalho, alguns objetos que os relacionassem com a condição deles, etc. É um trabalho interessante, que desloca o olhar para o próprio objeto de pesquisa, transformando-o no sujeito discursivo de sua própria realidade.

Termino pontuando que foi uma noite que valeu a pena. Alguns sentiram falta de um relato mais picante, mas, para isso, procurem os contos do tal escritor! Os deixo a sós numa posição de vouyer!

3 palpites:

Muito bem seu Fábio, muito bom e muito melhor que o primeiro! Só espero que esse post não seja lido pela esposa do felizardo suicida. Coloque o blog do cara na sessão "recomendamos", vale a pena! Achei que fosse ler um roteiro de filmes hollywoodianos ambientados em Las Vegas, mas a visão Tupiniquin da Augusta pareceu mais interessante! Embora a história sirva para propagar a fama de chato do sociólogo que não serve nem pra f.....Enfim...Foi bom, muito bom pra mim...ler esse post, é claro rss...
Abraços

Adorei o texto! Tem uma professora da UNIFESP q desenvolve um trabalho estudando a (falta de) qualidade de vida das putas no porto de Santos, se vc quiser dps eu dou uma fuçada pra saber o nome dela direitinho :]

Não é por nada não, mas acho que estive presente nessa noite, não entrei no dito puteiro - já que fui, antes, vencido pelo sono - e, se não me engano, sou o possível "suicida social da noite"...Fabinho, Fabinho...bjos.

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