Fuga é um estilo de composição musical em que um simples tema é imitado em várias vozes se sobrepondo, se complementado, se procurando e se evitando. Fugare, perseguir. Fugere, fugir.
Este post é sobre um texto em fuga.
Meneghetti é um daqueles personagens entre a ficção e o real. Conhecido como o Gato dos Telhados, assim como a personagem fictícia de Augusto Boal em Contos de Nuestra América, o chamado “bom ladrão” Gino Meneghetti disputava o ódio e a admiração secreta de quem acompanhava seus golpes e aventuras.
“Jamais roubei um pobre. Só me interessa tirar dos ricos, e tirar jóias, que são bens supérfulos que só servem para alimentar a vaidade”. (Frase de Gino que explica bem sua fama de bom ladrão)
Carreira incrivelmente longa para a profissão, foi preso pela última vez aos 92 anos tentando arrombar uma casa. A versão de Meneghetti é outra. Teria sido reconhecido por um policial que identificando o maior ladrão de São Paulo quis fazer nome as suas custas.
Verdade ou não, foi lá que o prenderam e foi lá que Mouzar Benedito fez questão de lançar seu novo livro Meneghetti: o gato dos telhados, pela coleção Paulicéia.
Eu talvez fosse o único na ocasião que não conhecesse pessoalmente o autor. Esta primeira impressão que tive foi logo colocada em cheque quando, com a mesma espontaneidade e o mesmo sorriso que confraternizava com os amigos, me incluiu na conversa como se sempre tivesse pertencido ao grupo.
A primeira pergunta não foi minha, mas anotei como se fosse.
Ta dando para viver de livros?
Mouzar revelou alguns números, fez umas contas em voz alta e, em tom alegre, mas sem perder a oportunidade, concluíu.
Se eu estivesse dependendo disso para viver já teria morrido de fome uns 10 anos atrás.
Sabia que a entrevista continuaria enquanto ele estivesse assinando contracapas e, para a minha sorte, de uma sacola, a senhora que puxava conversa tirou logo três exemplares.
Todo mundo gosta do Meneghetti. Eu saí até na Folha.(Risos) Eles não escreviam sobre nada que eu fazia há uns 10 anos.
Compartilhei os risos e me senti no direito de fazer uma pergunta.
O senhor conheceu o Meneghetti?
Não.
Demorou um segundo em pensamento. A frase seguinte só poderia começar com um “mas”.
Mas sabe que depois que estava escrevendo o livro descobri alguns amigos que estiveram presos junto com ele. (risos)
Naquele momento a resposta me pareceu natural. Porém com os livros em mãos a leitura flui de tal forma que cheguamos a duvidar: será que Meneghetti não é uma personagem do Mouzar? Talvez um anti-herói criado por Luis Gê que tenha saltado dos quadrinhos para a realidade.
A história de Meneghetti prende a atenção mesmo nos textos jornalísticos da Folha publicados em 1926 e 1976, fato que cria, assim como esse post, uma grande expectativa sobre o livro.
A relação entre escritor e ladrão beira uma cumplicidade ideológica. As interrupções dos comentários em primeira pessoa ao mesmo tempo que desligam o leitor da narrativa, lembram que a história é real e contextualizam os sentimentos paradoxais da sociedade paulista.
O livro ainda republica a HQ de Luis Gê, criada em 1976 para o jornal Versus.
É um resumo em polifonia. Um texto curto, que não perde o ritmo, exatamente porque varia e que busca a história de Meneghetti em várias vozes que se perseguem e se evitam.
Um texto inteiro em fuga: autor, personagem e estilo.
“…o próprio Meneghetti , em certas ocasiões, dizia ser tolice reconhecer um roubo, embora em outras anunciasse que era mesmo o ladrão”. (p.21)
Dedicatória de Mouzar para o Mistuta Indigesta:
“Para os amigos desta Mistura Indigesta, a história resumida de um personagem que também era indigesto para a elite paulista. Um abração de Mouzar. SP. 28/1/10”
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