Certa vez, numa calourada do curso de ciências sociais da Unicamp, chamaram o prof. Sérgio Silva para falar na aula magna. O tema era Maio de 68. Já tínhamos ouvido suas aulas sobre indústria cultural, sociedade do espetáculo etc. Mas dessa vez o professor, o ícone, o cara que estava lá quando tudo aconteceu, ia falar sobre Maio de 68! Depois de grande rebuliço (a minha versão preferida é a contada com a dramaticidade do Sumaré, que não usa essas palavras estranhas como “reboliço”, mas que faz a gente se imaginar sentado na primeira fileira), o professor liga o microfone e declara da maneira mais clara que poderia: “maio de 1968 não existiu”.
Eu nunca fui de
ter heróis, porque sempre tive essa impressão de que eles nunca existiram, de
que são uma grande invenção. Maio de 1968, como é no imaginário dos calouros de
ciências sociais, certamente não existiu. Se existiu algo, foi talvez apenas um
grupo de pessoas que saíram nas ruas para reivindicar que a a dita democracia
se convertesse minimamente em direitos à população.
Maio de 1968, para
muitos, foi apenas um ano de trabalho, de formatura, de dramas pessoais mais ou
menos descolados da realidade social, o que se chama, muitas vezes, de dramas
burgueses. O mesmo pode ser dito da ditadura civil-militar para muitos
brasileiros que mal a perceberam. Em certo sentido, 68 na França não foi
diferente de 2013 no Brasil, nem do que está acontecendo aqui hoje.
Me peguei
pensando nisso tudo porque não sei que histórias de heróis gostaria de contar
para o Samuel. Desde que a Mari engravidou, não participamos mais de nenhuma
manifestação. A partir de então, toda vez que tem protesto, fico em casa
preocupado com xs amigxs e conhecidxs que estão lá, mostrando a cara.
Às vezes me pego
pensando: “Que saco, por que eles vão? Só para a gente ficar preocupado!” Mas
logo me deparo com as histórias de colegas em seus dramas cotidianos: uma
colega agredida na rua por sua identidade de gênero, um aluno que não poderá
pagar a faculdade, uma vizinha que não levará a filha de novo ao médico ah, já
estava tudo bem, não vou pagar mais duas passagens de ida e duas de volta. E
volto a pensar no Samuel, nos heróis e em como os nossos dramas individuais são
afetados pela realidade social.
Não sei quais
serão as escolhas e os desejos do Samuel, que sonhos terá, qual será sua profissão,
seu estado de saúde ou sequer como será sua capacidade física de se locomover. Também
não sei até quando teremos aulas de filosofia e sociologia no Ensino Médio e,
portanto, não sei qual será nossa situação financeira como família no próximo
ano. Mas fico feliz que ainda tenha gente lutando para que isso não importe, para
que ele possa ter todos seus direitos como cidadão e possa se realizar
plenamente como ser humano independente de quanto dinheiro a gente tenha.
Já começo a
pensar em como contarei ao meu filho a história dessas pessoas que lutam para que
a dita democracia se converta minimamente em direitos à população, a história
desses momentos épicos que não existem, mas que mudam as nossas vidas. Carxs
amigxs, vocês são a inspiração da minha vida, são o mais próximo de heróis que
eu jamais tive. Contarei a história de vocês com entusiasmo e com a esperança
de que algum dia alguém diga de nosso tempo, idealizando nossas conquistas, que
ele também não existiu.
1 palpites:
http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com.br/2008/05/artigo-maio-de-68-por-joo-bernardo.html
Postar um comentário