segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O nadador

. . Por Unknown, com 0 comentários




Mania de ficar olhando, como quem procura não sabe o que, como quem vê, mas não põe reparo: um falso atento, sou desses. Por isso gosto de natação, apesar do desconforto de uma touca, de óculos ridículos, de somente vestir uma sunga, os protetores auriculares denunciam, ali a gente não está nem aí pro mundo, somos nós e a água, nossos olhos contam os azulejos, voltam-se pro teto, contam os azulejos, prum lado, pro outro. Porque, quando meus joelhos suportam correr, minha atenção se cansa primeiro, antes mesmo dos meus pés. Daí desisto do movimento da rua, do trânsito. Pelo mesmo motivo, não tenho paciência para academia, pros inúmeros espelhos, para o barulho dos ferros e para a trilha sonora de supermercado. Na piscina, mesmo assim, não estamos esquecidos.


Há o tiozão simpático de padaria, há também a velhinha too much de beira de piscina. Se é difícil dividir pasta de dente, agora imagine uma raia. Já mudei de horários, fico atento - dessa vez, de verdade -, pra ver quem está descansando quando eu também quero descansar, já aumentei trajetos, me esbafori, já fiz muito só pra não manter papinho de beirada de piscina. Suspiro todas as vezes que se aproxima o verão, todo o mundo do mundo do Brasil resolve nadar quando ficaram pra trás os dias mais frios. Tolero três, quatro numa única raia, velhinho mais lento, garoto triângulo fortão querendo alcançar o Cielo que tem dentro de si. Só não me conta sua vida na beira da piscina, por favor, me deixa na minha meditação aquática.


Fui fraco da última vez, porém, e me arrependi de não ter puxado assunto. Mal acabara de me aquecer, começava o plano mirabolante de resistência, estimado em centenas de metros por poucos minutos, mas um infante se debruçou na raia ao lado, voltando-se pra mim. Nas duas primeiras vezes que o vi, pensei, ok, ele está descansando. Na terceira e na quarta, decidi não interromper meu plano só pra pedir pro salva vidas retirar o moleque dali. Não nego, sou encrenqueiro – sou desses, também –, o menino me incomodava, parecia me observar. Eu observo, mas não gosto de ser observado. Hugo, deixe de ser egocentrado, não é com você, eu repeti algumas vezes. Então alternei a respiração e me demorei dois segundos a mais em duas batidas de canto. Não havia outra pessoa do meu lado na piscina, eu estava mesmo sozinho naquela raia. Ele, irritantemente, continuava me observando.


E ainda que a vida seja cada vez mais precoce, o menino era pequeno demais para ser um agente da conspiração. Tive certeza que ele me namorava, mas não fugi, não me intimidei, porque percebi o motivo. Ele não estava sozinho, ao seu lado estava de pé um rapaz. Próximo deles, ouvi o sujeito se dirigindo ao menino, enquanto eu reduzia o ritmo, parando um segundo a mais novamente na batida: “é como se o cotovelo apontasse pro teto, pro céu”. Não entendi e, outra vez, na volta, me demorei ao lado deles: “viu, os pés não param de bater”. Só podiam se referir a mim, percebi, os meus cotovelos apontavam pra cima ao sair da água, repetindo o movimento enquanto meus pés também não paravam de bater. O rapaz estava ensinando o menino a nadar dando a mim como exemplo. Imaginei serem pai e filho e, a partir desse instante, minhas braçadas eram acenos de candidatas num concurso de miss. 

Quando eu era criança, meus pais me mandaram pra natação por causa de problemas respiratórios. Passei uns par de anos praticando sem esse esquema de competição e treinamento intenso. Acho que aprendi direito, vai. Mesmo assim, alguns anos atrás, voltei a fazer aulas pra me obrigar a ser mais disciplinado e descobri várias coisas novas. Não sou expert, mas também não nado cachorrinho. De pequeno, só lembro do professor me enchendo pra virar a perna esquerda quando ia o estilo peito, ou me dizendo pra não mexer o quadril enquanto batia as pernas no nado livre. Mancada, né, ele reprimiu o meu rebolado.


Mas aproveitei a condição de nadador exemplar neste dia e esbanjei. Abri mão do meu plano inicial e me exibi mesmo. Fazia um medley só meu, ia em nado livre, voltava de peito e deixava o borboleta por último. Porque mané não toma jeito, não adianta. Amaldiçoo, sempre que tenho oportunidade, quem inventou o nado borboleta. Pai amado, no meu caso, atento ao remelexo e à curvatura do corpo, esse estilo deveria se chamar ‘galinha d’Angola’. O garoto viu tudo naquele momento, menos borboleta. 

Reflito sobre os nomes dos estilos de natação, e isso merece sério texto, mas saí contente da água. Acabado, mesmo tendo nadado menos, no entanto esperançoso de que a prática tenha ganhado um novo adepto, quer dizer, desde que ele também não fique de conversinha na beira da piscina.




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