VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Coluna do Leitor - Sobre cadeias e ladrões

. . Por Mistura Indigesta, com 2 comentários


Parto do princípio de que toda propriedade é um roubo. Portanto quanto mais propriedades uma pessoa tem, mais ladra ela é. Portanto quanto mais dinheiro uma pessoa tem mais ladra ela é. Portanto o maior ladrão do Brasil é o Eike Batista. Se alguém nesse país tivesse que ser encarcerado por roubo esse alguém é o Eike Batista.

Só que também parto de outro princípio. De que ninguém deve ser encarcerado por roubo. O primeiro motivo é óbvio, só não vê quem não quer: no Brasil¹ só são presos os pobres, na maioria negros; descendentes da relação escrota entre nativos, brancos europeus e negros africanos. Adivinha quem até hoje lotam as cadeias? Os que tinham armas menos mortais na época dessa relação escrota, claro. Até hoje, esses, com armas menos mortais na época, são os mais roubados, os que menos tem propriedades, e os que são encarcerados por roubo. Ou não é? São todos presos políticos.

O segundo motivo é porque parto do princípio já dito de que toda propriedade é um roubo. Logo, deve-se abolir a noção de propriedade - que é um roubo - e, conseqüentemente, abolir as cadeias que prendem pessoas por essa atitude - o roubo. 

LIBERDADE AO EIKE BATISTA!!!

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(¹) Não se iludam. Em todos os países do mundo é a mesma coisa.
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João da Silva é vendedor de zines, rouba ideia de todo mundo, pode ser encontrado, por assim dizer, em Cancrópolis, e tá sempre viajando.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Seu João, as abelhas e o velho

. . Por Unknown, com 0 comentários



Fui hoje de manhã lá no garapeiro seu João, como diz a placa acima do carrinho da venda. Foi uma verdadeira viagem pela manhã, no quarteirão logo abaixo de casa. Ali, sentado naquele banco de madeira ao som de um sertanejo que lamentava a véspera de Conceição – mesmo nome de minha mãe: que será, pois, que minha mãezinha andou aprontando?, eu me perguntava –, uma moda de viola bonita, me faltaram apenas um córrego que fosse, um chapéu de palha e uma varinha de pescar pra completar o cenário beira de rio no interior. Seu João é simpático que só, sorridente, quando eu cheguei ele já foi me perguntando se eu queria o meu caldo de cana com limão:

- Ô, seu João, um limãozinho vai sempre bem, né?!

Enquanto seu João cortava os limões, justo nesse momento a infeliz da faquinha de serra resolveu praticar ginástica olímpica. A faquinha deu um salto mirabolante, escapou da mão de seu João, rodopiou pelo chão, na terra, e seu João, com a tranquilidade de quem administra o tempo, pegou-a novamente, deu uma sopradinha e voltou a cortar os limõezinhos. Um popular se aproximou de nós, nos contando que em Minas é uai e na Bahia é oxente. Pois é, pensei.

Depois que seu João passou a cana pela máquina, colocou o caldo na vasilha com gelo, misturou o limão já cortado e espremido no copo, ele ia me servir e percebeu uma abelha na saída da vasilha. A abelha em seguida caiu no fundo do copo com um pouquinho de garapa, mas seu João foi rápido, sacou aquela mesma faquinha olímpica, tirou a abelha e me sorveu o copo com garapa geladinha.

Quando eu já estava na metade do copo, ele me ofereceu o restante. Não tive dúvidas, não pestanejei, "ô, seu João, faz favor". E ploft ploft ploft: caia o suco e três pequeninos corpos vieram junto:

- Ih, menino - como é gentil o seu João - acho que tem mais abelhas aí ó... tó - ele sacou a faquinha, aquela, a mesma, a sopradinha, a olímpica, e me deu - tira aí...
- Ah, sim - vlapt vlapt vlapt. Pronto, pronto, brigado, seu João, já tirei as abelhinhas - e continuei tomando a garapa. Sabe, seu João, já tinha tomado caldo de cana com limão, com gengibre, com abacaxi, mas com abelha é a primeira vez!! - seu João mais o popular sorriram.

Fiquei curioso com a máquina de espremer cana ali no meio do canteiro da avenida. Perguntei pro seu João de onde é que vinha a energia elétrica e ele me explicava sorrindo, falando baixinho, que era da casa dele mesmo, ali embaixo, dois quarteirões descendo. Me apontou o chão, mostrando o caminho escondido na terra do canteiro por onde passava a extensão de energia. A fiação saía da casa dele, cruzava a avenida pelo alto até uma árvore e de lá vinha por debaixo da terra. Seu João tinha os papéis todos da prefeitura, alvará e tudo, pra fazer o estabelecimento formalmente, mas não compensava pagar duas contas, me dizia, as vendas são pequenas. 

O popular do meu lado, enquanto a gente conversava, tinha, como se diz, um tique nervoso. Um não, uma porção deles, uma combinação de tiques nervosos irritante de se ver. No fundo no fundo todos nós temos um tiquezinho mal escondido, né não?! O popular, todavia, misturava vários, e num intervalo de poucos segundos, sacudia o ombro, o cotovelo e contorcia o pulso numa sequência impressionante. Assim que ele começou a piscar e dobrar a cabeça girando o pescoço, aí não, achei que ele estava era de sacanagem comigo. Mas não, ele apontava para um senhorzinho grisalho do outro lado da calçada, sentado em frente à borracharia. Só seu João entendeu de pronto. Segundos depois me dei conta, seu João sorria e comentou: ê velho esquisito! "Por quê, seu João?!", não resisti à curiosidade.

- Ih, menino - no mesmo tom baixinho, sereno, se achegando e contando um caso como quem descasca uma laranja, volteando mas certeiro -, esse velho é uma encrenca só. Tá vendo o galpão que começa atrás da lanchonete na esquina?
- Hum... ah, to sim, seu João.
- Então, veja que o galpão percorre aquela casa no meio, o botequim do lado, até a borracharia ali ó - sem apontar, claro -, veja o telhado.
- Ah, sei, aham...
- É tudo desse velho aí, o galpão todo, ele aluga tudo, e vive nessa casa do meio. Se é que dá pra chamar isso de casa, né, menino - sorriu de canto. 
- Uai, por que, seu João?!
- Ih, é que agora aquela garagem ali tá fechada, porque se estivesse aberta, nossa, dá pra ver a sujeira em que esse velho vive sozinho lá dentro, credo.
- É mesmo, seu João?!
- Ih, menino, depois que a senhora dele faleceu, e isso já vai pra mais de quinze anos, ele deu de implicar com o pessoal da lanchonete na esquina, chama a polícia pra qualquer barulhinho... Mas pra bagunça pelas madrugadas, do botequim que é alugado dele, né, ele não fala nada... Depois que a senhora dele se foi, uma mulher bonita, rapaz, um coração, uma mulher bondosa, ele ficou aí, fechado nessa casa. Olha como tá abandonada a frente, tudo quebrado, sem cor. Ele até mandou arrancar as duas árvores aí da frente, tinha um jardim bonitão também, que morreu de descuido... Deve ser duro, né, ficar sozinho aí... Ele deve ter é muito dinheiro, sabe, mas de que adianta, né, menino, tá aí, desse jeitão que você tá vendo aí... É um cabeça dura...

De calça jeans e chinelo de dedo, o velho grisalho apertava as mãos contra o peito na camisa polo desbotada, descia-as até o umbigo às vezes, trocava a posição dos pés e, não sei se pelo relato de seu João, parecia ter olheiras enormes.

Eu já tinha cruzado com aquele velho no ponto de ônibus na esquina de casa, mas não tinha posto reparo. Ele agora me parecia exatamente do mesmo jeito, desde aquele dia, sobrancelhas parcialmente serradas, estando uma delas arqueada. Fiquei com medo: seu João, fofoqueiro, me pintou um personagem assustador. Qualquer dia crio coragem, puxo conversa com o velho só pra tentar desfazer essa impressão.

Mesmo assim, não dá pra falar mal do seu João, puxa vida, observador, grande filósofo da paróquia. Além de um cliente, ele ganhou um amigo agora. Enquanto eu bebia a garapa, pensava, se seu João vendesse caldo de cana e pão de queijo eu perderia todas as minhas economias! Pão de queijo também, a gente não sabe, né, vai que não é do gosto do velho. Vai que ele encrenca com pão de queijo... aí não!





quarta-feira, 3 de abril de 2013

Se eu fosse Deus...

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários


Se eu fosse Deus, iniciaria meu reinado aconselhando o tempo a sossegar. Para que no mundo, cada ser humano tivesse o direito inalienável de ficar em casa nas tardes chuvosas e de dormir após o almoço. Proibiria ainda qualquer criança de perder o tempo de seus pais para o trabalho. Sob minha égide, nunca, em hipótese alguma, um filho morreria antes de seu pai ou de sua mãe.

Se eu fosse Deus, iluminaria o horizonte da humanidade, para que o hoje sempre aprenda com o ontem e que, mesmo assim, ninguém tenha medo de aceitar novas ideias, novos gostos, novos ritmos, muito menos de construir um amanhã melhor. Usando de meus truques, faria com que nenhum jovem se conformasse com a realidade, por melhor que ela fosse. Roubaria os termos "ousadia", "inovação" e "criatividade" do ambiente corporativo e os distribuiria mundo afora.

Aliás, se eu fosse mesmo o todo poderoso, colocaria no mundo mais artistas do que banqueiros, e extinguiria cartões de crédito, catracas e manuais de auto-ajuda financeira. Desse jeito, não seria possível que as palavras dívida ou dinheiro ocupasse integralmente a cabeça, o sono e a saúde de uma pessoa.

Resumindo, se eu fosse Deus decretaria ao mundo dos homens um monte de coisas básicas. Que ninguém passasse fome, que ninguém fizesse guerra, que ninguém ficasse constrangido ao assumir sua sexualidade, que ninguém tivesse vergonha de dançar ridiculamente, que ninguém tivesse medo de sair a pé de casa às quatro da manhã pra passear, que ninguém pudesse comprar um vinho por trezentos e cinquenta e três mil reais...

Se eu fosse Deus, haveria no mundo mais barulho de samba do que de tiros, mais gemidos de amor do que  de dor, mais skatistas que policiais. Nos jornais, a sessão de quadrinhos seria sempre maior do que a de economia e política. E, de tão alegre a vida, não havendo motivo para passeatas ou procissões, as ruas seriam tomadas por carnavais de todos os tipos.

Por fim, após tantos feitos, sugeriria aos homens que houvesse um concílio entre os poetas para ver quem seria meu novo representante na terra e assim toda cerimônia religiosa seria, na verdade, um belo sarau, onde cada um poderia escrever e recitar seu próprio sermão. Todos seriam fieis à arte ou ao que lhe fizesse bem e ninguém faria promessa para emagrecer, mas sim para engordar a alma. Não haveriam penitências nem dízimos, e apenas a vida seria celebrada.

E somente assim, se eu fosse Deus, observaria do alto de uma nuvem, segurando meu cajado, os homens satisfeitos, olhando para cima, vociferando sem temor algum: seja feita a vossa vontade.

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