terça-feira, 12 de julho de 2011

O Meta-Intelectual

. . Por Thiago Aoki, com 17 comentários

Livremente inspirado, mas sem tanta grandeza, na brilhante crônica “Meio Intelectual, Meio de Esquerda”, de Antonio Prata, um dos preferidos pelos responsáveis deste irresponsável blog.

O meta-intelectual trocou o bar meio ruim por um refinado e exótico restaurante com comida tailandesa, árabe ou de algum local longe daqui, onde, no menu ou na ambientação de alguma conceituada artista plástica, pode-se conhecer todos os detalhes daquela deliciosa culinária e cultura. Mas claro que ele dá uma passadinha no Wikipédia antes da experiência gastronômica para voiciferar algumas informações que – ele torce – ninguém da mesa saberia antes daquele encontro.

Não tem mais como exemplo Betão, garçom oprimido que hoje está desempregado, mas o culto “consultor de mesa”, preparado para lidar com o meta-intelectual – sim, o mercado está difícil. Este neogarçom aproveita deixas para sugestões pertinentes e encanta ao falar em um estrangeiro perfeito o nome da comida, contando um pouco de como surgiu aquele prato através de uma imaginativa lenda daquela cultura.

O meta-intelectual assim se chama pois adora ser intelectual. E deste modo começa o bate-papo quando conta sobre um dia em que passou suas férias numa tribo... quer dizer, numa comunidade - tribo é um termo preconceituoso e o meta-intelectual adora se prender a termos - indígena e quanto aprendeu com aquele povoado, com aquela cultura diferente, com outros valores e práticas sociais. Afinal, o meta-intelectual respeita muito a diversidade! Claro, não suporta pessoas fúteis que usam roupas padronizadas e escutam sertanejo no posto de gasolina enquanto bebem uma cerveja qualquer. Mas adora discutir detalhes da Arte Naifi, tão popular e enraizada; ou do Mestre Molina, um homem do povo com tanta qualidade estética em sua obra; ou mesmo declamar versos decorados do Patativa do Assaré, poeta do sertão, enquanto toma uma cerveja alemã artesanal de trigo. Ah, esqueci-me de dizer, é preciso entender o processo de formação de uma cerveja ou de qualquer bebida alcoólica para se tomá-la. E ai de quem diz que, depois da segunda garrafa, Baden Baden é mesma coisa que Itaipava. Isto é inconcebível para nosso personagem, afinal, o meta-intelectual não bebe, mas sim degusta, faz parte da experiência gastronômica.

Durante o papo, percebe-se também que o meta-intelectual tem um leve gozo no olhar quando solta propositadamente expressões como: “faço ioga”, “sou vegetariano”, “sou sincretista”. Não, você não perguntou pra ele, mas ele sempre dá uma contornada no assunto para chegar nestas expressões. Você diz “Nossa, estou com dor nas costas” e ele responde “pois é, lá na ioga, que faço às quartas-feiras...”. Você diz “Estou morrendo de fome” e ele responde “Eu também, espero que tenha opções vegetarianas aqui, pois eu sou vegetariano”. Você diz “Meu Deus do Céu” e ele responde “Falando em Deus, sou sincretista, acho que Deus se manifesta de diferentes maneiras. Adoro o caminho do meio e os rituais do candomblé e da cultura afro (claro, menos o pagode). Aliás quando visitei os quilombolas...” O ateísmo está caindo de moda entre os meta-intelectuais, sincretismo é mais, digamos, contemporâneo.

O meta intelectual odeia que um médico seja chamado de “doutor” sem nunca ter feito um doutorado, mas adora se intitular como “curador”, mesmo que seja de uma sessão de filmes - Lado B, é claro - para os amigos meta-intelectuais. É um bom programa para o pós-janta e quando você menos espera ele tece o seguinte comentário: “a fotografia desse filme é maravilhosa”. Esta é uma típica frase meta-intelectual. “Adoro o cinema iraniano” é outra.

Para o meta-intelectual, o sexo não pode ser tabu e é um bom programa pós janta, mas com algumas regras. Beijar alguém do mesmo sexo é libertação, mas ir a um baile funk de mini-saia é opressão masculina. A não ser que essa condição esteja pautada em preceitos feministas da década de 60, onde transar com várias pessoas era libertador. Do modo contrário é ceder a um padrão machista de comportamento. Também vale a “nudez artística” ou o “kama-sutra”, que são expressões muito positivas para o meta-intelectual.

O meta-intelectual não é meio-de-esquerda. A revolução para ele não é um propósito coletivo e a política está um pouco démodé, embora se considere sempre politizado e bem informado. A revolução é interior. Mas calma, isso não é auto-ajuda, o meta-intelectual tem repulsa à auto-ajuda e ao senso comum. A revolução é individual e se dá através das artes contemporâneas, ou de autores que quando se lê logo se pensa: agora sou diferente da maioria, li este autor. Trocou Marx Por Nietzsche. Trocou Cuba pela França. Trocou consciência de classe por diversidade cultural. Trocou igualdade por liberdade. Trocou comunismo por niilismo.

Certo dia, quando perguntado se era comunista, Lula respondeu: “Não, sou trabalhador”. Se a mesma pergunta fosse feita, o meta-intelectual, no almoço do dia seguinte, ouvindo um bom jazz da saudosa New Orleans do início do século XX, acabaria de degustar sua salada vegetariana tailandesa, tomaria um gole do vinho francês e diria: “Não, sou culto”.

- “Gerard, o que você sugere para a sobremesa?”

17 palpites:

Rolou uma auto identificação, claro...
Além disso, fiquei dando corda na ideia, continuidade.

O meta-intelecutal, diferente dO Louco de Palestra (http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-49/tipos-brasileiros/o-louco-de-palestra), quando se manifesta numa aula, seminário, discussão, ou qualquer coisa do gênero, quase sempre interrompe sem pedir a palavra, solta alguma interjeição, alguma conjunção negativa, "mas..." e conquista a palavra. O meta-intelectual nao expoe um argumento, um raciocínio, geralmente, não faz nem uma pergunta que seja, apenas interrompe para aparecer mesmo, respira fundo, fica em silêncio, fala pausadamente entre vacilos meditados, porque ele de fato não está vacilando, está somente fazendo pose, alguns preferem dizer que é charme. Ele fala alguma coisa que parece crítica, só que é completamente óbvia, ele adora comentários redundantes, só que pra isso usa expressões que decorou e começou a utilizar pra causar impacto, desviando a atenção do que está falando propriamente, já que é tão trivial. Meta-intelectual não faz crítica, não estabelece relações, amplia o olhar, só repete argumentos, faz constatações. Meta-intelectuais tem estilo, tem garbo, mas eles dizem apenas que é elegância. Um meta-intelectual, quando faz as suas considerações a respeito de qualquer coisa, qualquer, em geral faz uma citação, adora obras ditas clássicas, principalmente, tem especial predileção por tornar, mesmo que elas não "sejam", obras "clássicas"... afinal, se ele leu, claro, é clássica. Mas, ainda assim, experimente perguntar a um meta-intelectual: "nossa, que massa, quer dizer então que você já leu isso?" e, com sorte, se no dia ele estiver, digamos, fraco, vai, entre risos e a mesma pose, dizer que não, que somente lera o começo da introdução, mas uma vez, "aquela vez", ouviu falar, assistiu a uma palestra daquele fulano entendido, ou tomou um café com a tal personalidade. Um meta-intelectual pode até estar enganado "mas...", no fundo, no fundo, está correto.
Meta-intelectual sofre, não se dá bem com críticas, quase sempre ninguém o entendeu, ou queriam dizer outra coisa, "não era aquilo" que se ouviu.

Abraços

Iniciamos a campanha: afogue um meta-intelectual numa bacia de cândida!

e todos os outros meta intelectuais dirão que é um ato racista, por utilizar candida...

Olá amigos...

O Hugo vai me achar chato, por já ter falado mal do Calligaris e agora falar mal do Prata. Eu adoro esses dois novos "cânones" da crônica Brasileira atual. Mas aquele texto do "Meio de Esquerda, Meio Intelectual" tem um problema que resolve-se na Igreja ou mesmo na terapia (quem sabe com Calligaris?): a culpa, essa maldita. Acho mais honestos aqueles que se chicoteiam, em várias religiões e se martirizam de alguma forma. Já este texto é do tipo " Nossa! Como o que fazemos é ridículo! Mas palavras atuo-depreciativas me libertarão e me deixarão com a consciência tranquila".

Eu vejo isso também em tirinhas como a do Allan Sieber. Aliás, me divirto muito lendo elas, assim como com com essa crônica do Prata. Mas começo a ficar com a impressão de que tudo é ridículo, tudo está errado, todos têm alguma característica para cair no "humor fino" destes nobres seres iconoclastas.

Vejo, dentro da crônica e em termos gerais de outras linguagens, pouca necessidade de construir (ou caracterizar) pessoas realmente complexas. O intelectual do bar ruim, assim como o playboy do carro de som são pessoas interessantes, cheias de complexidades, muito além dessa superfície.

Eu sei que no humor isso é necessário. Aliás uma tira rápida, por exemplo, pede esse tipo de brincadeira (apesar do Laerte ser um cara que transcende isso) Mas tenho a impressão que trata-se mais do que uma piada de uma tira ou de um texto e sim algo que vem se constituindo como regra geral.

Eu tenho vários clichês: barba e cabelo grande, amo ícones da contracultura como Doors, Novos Baianos, Hunter Thompson, Bukowski, Raul Seixas.. gosto muito de samba, sou de esquerda. Na juventude, ouvia Legião Urbana... enfim.. Mas acho que não me reduzo a isso, tenho outras coisas que vão muito além de uma embalagem de supermercado e que não são nada clichês. Uma história que ninguém conhece, não pode julgar assim.. E acho que acontece o mesmo com cada um de nós.

Mas gostaria de saber se para escolher a próxima coisa a fazer eu vou ter que consultar um manual iconoclasta do que é menos ou mais clichê ou ridículo.

Me desculpa Thiago, por não ter me centrado no seu texto. É que como vc remete ao texto do Prata, logo no início, eu fui até ele e me suscitou essas questões . Mas acho a sua crônica mais interessante e crítica. Não vejo culpa nela, como veja na do Antonio Prata.

Como dica de algo que transcende o mero estereótipo, acho que vale ler os quadrinhos Cachalote (Rafael Coutinho e Daniel Galera) e ver os documentários de Eduardo Coutinho.. Ambos pensam de maneira bem mais interessante o ser humano, para além de uma descrição elegante do ridículo.

Abraços para todo mundo ... e não tenham medo de ser ridículos, nem clichês, nem de ser nada que te deixe feliz!

Gabriel, antes de escrever pensei, poxa, qual o problema de se gostar de Tolstoi, Chico Buarque e PGodard, enfim... Não é bom que as pessoas tenham esses "valores como uma referência"? É possível relativizar a arte a ponto de dizer que Tati Quebra Barraco está no mesmo degrau que o Chico Buarque? Ou que Augusto Cury não pode ser considerado menor que Tolstoi? Enfim, criticamos ou não a tal indústria cultural que padroniza os nossos gostos?

No fundo são questões que não tenho muito bem resolvidas para mim, na verdade.

Claro, muito do que gostamos inclusive iniciamos o contato em oposição à padronização cultural. Mas também não gosto do oposto. Do intelectual que "não se mistura". Que faz de seu "capital cultural" um diferencial EM DETRIMENTO aos que, "coitados", não conseguiram sair da superficialidade. Você no seu Blog citou o mr. Howe. Será que ele ouve sertanejo, pagode e funk? Tanto faz, não é? Podemos dizer que o cara que leu Tolstoi e Marx sabe mais sobre o mundo que ele? Não né? No entanto esse cara, quando está no metrô lendo o Capital, olha pro lado, vê, sem saber, o mr Howe lendo algo que considera "inferior" e, satisfaz-se com sua "visão de mundo difrenciada". É a roda viva da música do Chico Buarque. Criamos um nicho mercadológico de gande lucratividade no mercado. Por que um livro do Tolstoi custa 50 e o Augusto Curi 15? Porque no livro do Tolstoi está incluído a "sabedoria" que separará você dos demais e sem que seja exclusividade, ou, em outras palavras, sem que as demais pessoas não tenham, por diversos motivos, acesso a esa parcela de "inteligência", não faria sentido custar tanto. Volto a dizer que o cult virou uma categoria mercadológica muito bem apropriada pela indústria cultural.

Bom a discussão iria longe, mas vou parar por aqui rs..

Tudo isso só pra dizer. É um pouco além da culpa, é a reprodução de tudo que dizemos abominar. Não precisamos ser patrões para manter a classe dominada aquém. E, claro, não devemos nos sentir culpado por gostarmos do que gostamos. Mas acho ainda importante relativizarmos o "enobrecimento" de nosso conhecimento em relação aos outros. Do tempo que passei na academia saí com uma péssima impressão: muitas vezes pensamos que estão todos em uma bolha de dominação e só nós escapamos. Mas, no fundo, muitas vezes não percebemos que quem está na bolha somos nós.

A discussão vai longe, mas concordo em tudo o que disse na sua última frase...rs

Na verdade concordamos, em termos gerais. Se for para contestar a figura preconceituosa de certos intelectuais, é isso aí mesmo. Para mim essas divisões entre alta, baixa cultura, cultura popular e de massa, enfim.. são bem artificiais.. um poeta por aí criticou alguns contos meus por ser "a mesma coisa que faz a cultura de massa" e eu fiquei contestando essa visão elitista de arte... afinal tenho bastante influencia de todos os lados e somos, em maior parte, formados por essas massas, cheirosas ou não rs...

Masa minha crítica é nessa necessidade de estereotipar todo mundo. Então se a pessoa resolver que ama tudo o que vem do Brega, da TV e outras coisas, alguém vai escrever algo ou fazer uma tira dizendo que é "um intelectual que se apropria da cultura de massa como algo cult" sacou? nesse ritmo daqui a pouco não vai poder mais nada...

Peço mais uma volta às narrativas interessantes de grandes mestres da literatura, vindas de vários pontos, além de outras artes,,, que pensem o ser humano para além de uma superfície... é isso...

abração

Gabriel

Inclusive eu acho que o Prata também concordaria... afinal, ele está falando sobre as artificialidades do "gosto", ou não?

acho que o rolê é gostar do que gosta... agora usar o consumo da arte pra esnobar ou pra desqualificar, aí eu acho meio xarope... a minha birra com o cult e com o intelectual é essa... se bem que eu acredito que, por mais que haja influência externa, há uma dimensão pessoal do gosto...

mas você pode observar alguém que só esnoba pelas mudanças do gosto... gosta - na verdade, consome (para citar um intelectual meio obscuro meio na moda) "conspicuamente", ou seja, pra exibir. e só consome o que tá na moda dentro de um círculo - acho que a idéia do burdiê que o chinês reivindica é pertinente.

por exemplo, tá na moda NA UNICAMP, mais especificamente NO PAGODE DO SOUZA, as músicas da década de 1990. quando nóis tocamo todo mundo se diverte. mas eu lembro de quando eu ouvia esse trem lá nos idos dos 90 e era discriminado - e eu tenho certeza que a maioria das pessoas unicampestres que cantam a plenos pulmões no Pagode do Souza, discriminavam os souzas quando eles gostavam disso na época deles... é que agora ser retrô é cult... na verdade eu não sei se acho bom ou ruim (Seixas, R.) mas, quando vejo a galera "curtindo" esses pagodes, eu me sinto contente (porque, afinal, parece que 1) é uma descontração da repressão ao gosto e 2) é uma vingançazinha dos pagodeiros do tempo do samba sem grana e sem glória). por outro lado, acho ruim, porque transformaram meu pagodinho em consumo elitizado de cult. por exemplo, vejam os comentários (outra hora escrevo sobre eles) sobre os vídeos de pagodes dos 90. é tudo coisa do tipo "agora não se faz mais música boa assim". essa frase é do capeta... sempre lançam ela pra denegrir o atual... é uma mania de passado xarope que serve pra discriminar... ela não é a afirmação de uma preferência, ela é, por trás disso, um rebaixamento do coleguinha...

enfim, to com o gabriel quando ele diz que a coisa é muito mais complexa... mas também adoro o "tipo".

smac, peixe

aliás, acho que o hugo já escreveu sobre isso, mas tme uma música do neol que eu adoro que fala mais ou menos assim:

você é do tipo que não tem tipo. com todo o tipo você se parece. e sendo um tipo que assimila tanto tipo, passou a ser um tipo que ninguém se esquece: tipo zero, não tem tipo...

blablablablabla passou a ser um tipo desclassificado..

smac

Não disse que o Peixe contribuiria veementemente?!!

Acho que no fundo falamos o mesmo, mas de outra forma, Gabriel.

Concordo em gênero, número e grau com o Peixe e o exemplo do pagode é perfeito..

Peixe, isso que vc reclama é algo quase inevitável. Tudo o que vem do passado é cult, se tornou bom. Isso é cada vez mais real. É claro que tem o lado da nostalgia, do que no passado, mesmo que falasse mal na época, traz algo pessoal, alguma lembrança. Mas tem a necessidade de construir símbolos cults. Veja agora a moda de festa dos anos 80. Eu acho uma década terrível musicalmente, mas está lá divertindo uma galera. É claro que se me derem a dose certa de cachaça eu me divirto, danço Menudos e até rebolo igual a Gretchen. Mas o cult virou, sem dúvida, artigo de consumo.

tá ligado muito do que aquele último filme do Woody Allen toca. Dessa história de todo mundo estar insatisfeito com seu tempo e sempre querer ir para o passado. Mas, tudo é uma questao das pessoas nao estarem interessadas em viver o aqui, agora. O que realmente te interessa e/ou te diverte em arte, mas procurar algo externo, que alguém te falou que é bom, etc.. o negócio e ser bem desencanado com tudo.. nao ter vegonha de gostar de nada e ficar com a guarda aberta para tudo..

beijos

um amigo uma vez me disse que a maria rita kehl tinha (não sei se ainda tem) uma teoria de que a nossa geração é especialmente nostálgica - inclusive de um tempo em que não viveu (o que é só mais um contra-senso dela)...

acho que faz sentido...

Não sei se é esse, mas tem a ver.

http://www2.fpa.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/coluna-comportamento-o-passado-e-um-lugar-s

"Na vida em retrospecto, todas as nossas escolhas teriam sido corretas. Teríamos sido abolicionistas no século 19, modernistas nos anos 1920, resistentes antifascistas em 1930- 1940, opositores firmes contra as duas ditaduras brasileiras. O passado nos poupa da dimensão trágica da escolha.

Mas é no presente que o corpo está vivo. No presente é que se jogam os lances de dados do destino. Ele é tudo o que temos – e nos escapa."

Pô, eu concordo bastante com tua primeira leitura lá em cima sobre a culpa, Gabriel. Mas acho que o problema não é o "tipo". É levar o tipo à sério ou só fazer tipo. O problema é usar essa literatura para fugir dessa "culpa" e não seguir em frente em outras tentativas após a autocrítica. Nunca entendi direito, mas acho que é tipo aquele lance do fatalismo melancólico do Benjamin, do pessimismo que impede novas tentativas. Autodepreciar-se, assim como dizer reverenciar ícones do passado, é cômodo, é seguro. Mas acho que é importante. Tão importante quanto não parar por aí.

Acho que acabei falando só coisas repetidas, né? (Uma leve autodepreciação preventiva para evitar a réplica).

(só pra constar)
Gabriel, ninguém é chato por criticar quem quer que seja. Escreva um texto criticando até Balzac, que eu, como meta-intelectual, nunca li, sei lá, mas me convença disso...
No mais, concordo (mais ou menos) com o que foi sendo dito depois nos comentários.
Ficou legal a discussão.
Abraços

Dentre uma das poucas pesquisas feitas por psicólogos decentes que existem, tinha uma que perguntava à pessoa se ela era feliz e se achava que o vizinho era feliz e a resposta quase sempre a mesma:

Sou feliz, meu vizinho não.

A análise, interessante, coloca que quando pensamos em nós mesmos, remetemos a todo nosso histórico, e olhando para trás, idealizamos o passado em auto-defesa e consideramo-nos, assim, feliz. No outro ponto, quando pensamos no vizinho, pensamos no presente, nas brigas com a mulher, no árduo trabalho dele, nas contas pra pagar, etc e não o consideramo-nos feliz.

Psicologismos à parte, há um paradoxo, pois somos a geração "culta", ao meu ver, que mais invoca a modernidade. Entretanto a própria modernidade tem como pilar a supressão do antigo, ou como Berman bem viu em Marx "tudo que é sólido desmancha no ar". Como uma geração nostálgica a tal ponto considera-se filha do moderno?!

Veja outro exemplo, Peixe. Claudinho e Bochecha. Era trash, fim de festa, etc e tal. Aí um programa da globo, em uma homenagem ao Claudinho, entrevistou a velha guarda do salgueiro, Paulinho da Viola, entre outros "consagrados" qu colocaram a musicalidade da dupla e como eles eram referência dentro da comunidade, etc. Pronto, agora são os ícones da música soul!

No final das contas, a Indústria Cultural é quase uma bolsa de valores. Quando o Dirceu sabe que a Dilma vai falar bem da Eletrobras, ele faz o lobby e seus clientes ficam ricos. Na cultura, funciona assim, tanto com Fernando e Sorocaba como com Marcelo D2, tem especialistas em formar ícones cults, instrumentalizando o próprio processo criativo, direcionando para esse vazio.. Talvez por isso somos a "sociedade da informação".. Por fim, Tolstoi 150 páginas, R$50... Paulo Coelho 200 páginas, R$15...

Vamoquevamo...

Muito interessante o debate!
Vou tentar contribuir com alguns chutes, apesar de achar que posso estar fazendo gol contra...
Acho que hoje não dá pra simplesmente fugir da tal indústria cultural, e nos termos da indústria tanto faz se é Tati Quebra Barraco ou Chico Buarque, o importante é que venda. Entretanto, sinto que precisamos sim olhar para essas produções e buscar o que há de melhor, não acho que é tudo tão subjetivo assim, não concordo que o bom é o que cada um acha bom. Acho muito lícito um cara que assiste a filmes do Fellini assiduamente resolva de vez em quando parar para ver a novela das oito, e que essa pessoa não poderia ser julgada por gostar da novela ou um meta-intelectual por gostar do Fellini... Nem acho que seja sempre o caso de ficar comparando, mas daí não podemos dizer que tanto faz o Fellini e a novela. A experiência que eu tenho em assistir o 8 e meio do Fellini, na minha opinião está muito além da de qualquer novela que eu já tenha assistido. Assim como os livros do Machado de Assis "romântico" são sim muito inferiores aos do Machado "realista", e os Peanuts estão acima de qualquer quadrinho da Marvel, até dos X-men que eu tanto gosto.

Beijos e saudades!

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