quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um spray na mão e uma Bienal na cabeça

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários

Em um dos meus primeiros posts por aqui, ainda tímido, tentei mostrar o movimento da Indústria Cultural sobre o Rap e Grafite, artes, em geral, vinculadas à contestação social. Durante essa semana, Monica Bergamo, em sua coluna da Folha de São Paulo, anunciou novo episódio dentro dessa cena artística cuja estética associa-se à periferia brasileira. O informe dado pela colunista é de que dois dos pichadores que realizaram intervenção na Bienal de 2008 foram convidados a participar, desta vez como artistas, da Bienal 2010.

Para quem não se lembra, um dos andares da Bienal de 2008 ficou sem exposição alguma. O espaço - intitulado pela organização como "Em Vivo Contato", mas que ficou conhecido como "Bienal do Vazio" - tinha como proposta, segundo os próprios organizadores, a reflexão acerca das formas de arte. Pois bem, a provocação deu resultado. Primeiro, ainda antes da inauguração, o grupoArac fez a primeira intervenção não-autorizada com "stickers" dos mais diversos, mostrando o passo-a-passo da ação no blog Bien-Mal 2008. Por fim, dias depois aconteceu a ocupação do prédio por pichadores das mais diversas correntes e logo se puseram a expressar no mais vivo contato, através de muita tinta e correria. À época, o posicionamento da Bienal não fora tão amistoso como o desta semana. Pichadores e seguranças entraram em conflito e uma das pichadoras, a gaúcha Caroline Pivetta da Mota, acabou presa e condenada, o que causou revolta até mesmo entre alguns artistas convidados.



Voltando aos dias de hoje, o anúncio de Bergamo é de que o pichador considerado líder da intervenção de 2008, Rafael Guedes Augustaitiz e Djan, outro pichador, serão atrações oficiais da edição 2010. Além daquele episódio, Rafael ficou conhecido por apresentar, como TCC, um ataque de pichação à própria Faculdade Belas Artes e também por liderar pichações à Galeria Choque Cultural, em São Paulo. É também atribuido ao seu grupo, a pichação de um famoso grafite d'Osgemeos, ícones reconhecidos internacionalmente, com os seguintes dizeres: "Cidade em Calamidade - R$200.000,00", em referência ao valor pago pela prefeitura paulistana aos artistas por aquele grafite.

Seria fácil, de trás do computador criticar os pichadores convidados ou pensar que seria mero oportunismo por parte dos organizadores. No entanto, posso me demonstrar satisfeito pelo fato de que um dos líderes dos pichadores participar do evento significa passar por cima do comunicado - esse sim, completamente retrógrado - que a organização soltou em 2008, após remover as pichações e reforçar a segurança. O documento concluia-se com os seguintes dizeres: "O vandalismo causado pela atitude autoritária e agressiva desses jovens representa uma ameaça à constituição de um espaço público coletivo, que respeite a integridade de cada cidadão e o patrimônio material e simbólico de nossa cultura".

Pensar no espaço público como composto por sujeitos passivos e contemplativos contraria inclusive a própria ideia do espaço vazio, ou da mostra intitulada como "Em vivo contato". Naquele ano, questionou-se se a intervenção realizada poderia ser considerada uma expressão artística ou apenas um ato de vandalismo. Em longa entrevista, Carol Pivetta, ainda presa, disse que "tanto grafite quanto picho são underground, coisa do fundão. A parada que eu faço é na rua, pro povo olhar e não gostar. Uma agressão visual". Fugindo do maniqueísmo datenístico de buscar herois ou vilões, os hieroglifos quase intraduzíveis pichados pelas paredes do andar nulo do prédio arquitetado por Oscar Niemeyer trouxe consigo outros incômodos questionamentos: "quem diz o que pode ser considerado arte?"/"existe espaço propício para arte?"/"a arte deve ser contemplativa?". Se a ideia era preparar o espaço para se discutir a arte, a ação dos pichadores deveria ter sido considerada argumentos que colocam o dedo na ferida dos campos artísticos hegemônicos. Entretanto aquele comunicado, bem como a imediata restauração do prédio, fez com os mandachuvas da Bienal perdessem a oportunidade de avançar a discussão extremamente relevante sobre Arte e, num sentido contrário, ainda utilizaram de um legalismo purista para desqualificar, com acusações pessoais de caráter moral, as ações organizadas coletivamente pelos grupos de pichadores.

A Bienal 2010 pode estar tentando corrigir esse caminho, voltando a pensar as novas formas artísticas, por vezes marginalizadas, mas isso dependerá de quão autônoma será a intervenção dos, finalmente reconhecidos, artistas-pichadores. A incorporação dos pichadores ao evento, para além de uma tentativa de trégua após algumas ameaças de novas intervenções, indica um reconhecimento dos pichadores como sujeitos de uma cena artística, ainda que marginalizada. Entretanto, tal fato também abre brechas para um movimento de apropriação da Indústria Cultural sobre a crua contestação.

É pagar pra ver.

2 palpites:

Legal, mas acho que nem mesmo os pichadores querem essa discussão eles fazem só pra causar mesmo...

acho que participar do sistema é completamente contra tudo que eles estão contestando... eles não deviam aceitar o convite...

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