Hoje, dia 17 de maio, é o Dia Internacional de Combate à Homofobia. A data não foi uma convenção aleatória: há exatos 23 anos, em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID), declarando que a mesma não constituía doença, distúrbio ou perversão. Até então, o homossexualismo constava na lista da CID desde o ano de 1977 (“homossexualismo”, com o termo em itálico, mesmo, só para que atentemos ao sufixo “ismo”, que atribuía à homossexualidade -- e ainda atribui, simbolicamente -- caráter patológico).
Curiosamente, o Brasil “despatologizou” a homossexualidade antes mesmo da resolução da OMS. Em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerá-la doença e, em 1999, normatizou a conduta dos profissionais da área frente à questão. “Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.”, afirma passagem que consta na resolução 1 de 22 de março de 1999 do Conselho. Digo “curiosamente” porque, apesar de tal avanço na época, os episódios ocorridos particularmente nos últimos três meses em nosso cenário político mostram uma realidade bastante retrógrada.
Claro que todos sabem que estou falando da polêmica atuação do deputado-pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Desde que o pastor foi eleito, em março, reações revoltadas e acaloradas vêm sendo desencadeadas devido às suas declarações, sempre conflitantes com a função que exerce. A última sandice de Feliciano foi a decisão de colocar em pauta a suspensão da mesma resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 1999, além de propor cadeia por até três anos para quem discriminar pessoas que se atraiam pelo sexo oposto(!!!). Como se existisse algo como “heterofobia”.
Parece piada digna de figurar entre as postagens do Piauí Herald, Sensacionalista ou G17, mas não é. E o lado bom de tudo isso – e provavelmente o único – é que, a cada declaração carregada de ignorância e preconceito do “homem de Deus” que ocupa a CDH, trazem-se à tona novamente questionamentos acerca da laicidade do Estado e da negligência dos direitos civis de minorias (em especial da comunidade LGBT). Enquanto isso, o cenário de polarização de posicionamentos mostra-se cada vez mais radical: de um lado, os religiosos intolerantes travestidos de defensores da “moral e da família”, bradando contra a “ditadura gay”; do outro, os defensores da liberdade individual e da igualdade de direitos, mas também os que atacam crenças e religiões de terceiros de forma ignorante e generalizada.
Religião e (in)tolerância: quatro parágrafos foram necessários para chegar até aqui, o objetivo inicial de todo o texto. Por quê? Porque a luta representada pelo dia de hoje é contra um problema ainda gritante no Brasil. Temos número recorde de violência contra homossexuais, apesar de sediarmos a maior Parada do Orgulho Gay do mundo e de, há poucos dias, o casamento civil igualitário ter sido oficializado em território nacional; porque o discurso de ódio propagado por alguns líderes religiosos que exercem tamanha influência no universo político e midiático é extremamente nocivo, em um país de maioria cristã; porque, no meio religioso, aqueles que se dispõem ao diálogo para ir além das limitações de pensamento e imposições totalmente incompatíveis com o período que vivemos são censurados ou afastados de suas posições (vide caso da excomunhão de padre Beto, em Bauru). Porque homofobia não é apenas violência física, não é só lâmpada na cara de um passante na Av. Paulista.
Por todas as consequências geradas pela forte influência cristã no meio político, que interferem diretamente na vida cotidiana e no direito das minorias (especialmente da grande minoria LGBT), a dicotomia “religião vs. tolerância” se reafirma cada vez mais. Mas essa não é a única realidade, e é saudável e necessário que não seja.
É interessante mencionar pesquisas recentes que apresentam dados que vão de encontro à ideia de que homossexualidade e religião são incompatíveis e não podem coexistir: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em 2012, que 47,4% dos casais homossexuais no país se dizem católicos, e 20,4% afirma não ter religião -- o que não é sinônimo de descrença em Deus ou de ausência de qualquer fé; outra pesquisa curiosa, “O Crente e o Sexo”, foi realizada pelo BEPEC – Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã. Segundo a mesma, uma parcela de evangélicos já teve ou mantém relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, mesmo os casados.
Tais dados mostram que, claramente, dogmas e passagens bíblicas não são suficientes para suprimir qualquer comportamento, sentimento ou modo de ser, ao menos no que diz respeito à vida privada (velada), e não pública, de um sujeito. Independente do discurso religioso, muitos oprimidos pelo mesmo ainda assim se mantém fiéis ao que creem – e talvez isso signifique que, assim como sentimentos homoafetivos, a crença em algo não é exatamente uma escolha.
Frente às estatísticas que as pesquisas citadas anteriormente apresentam, há lugar para a fé e a religião na vida de homossexuais. Porém, a questão é outra: há lugar para homossexuais crentes, sejam eles católicos ou protestantes?
Luiza Judice, recém formada em jornalismo e uma das diretoras-produtoras do curta-metragem O Mesmo Amor.