terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Selo Pinochet de Direitos Humanos 2011

. . Por Caio Moretto, com 5 comentários

selo_pinochet3 Trabalhei algum tempo como redator publicitário. Durante a crise de consciência que começou a me afastar deste ofício, um amigo, na tentativa de me convencer a continuar na área, acabou me dando o empurrão final que eu precisava para sair. Na época estávamos fazendo a propaganda de um selo ambiental para uma companhia de papel, que carinhosamente apelidei de Selo Pinochet de Direitos Humanos. Tentando aliviar minha consciência ele me disse: “Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.”
procusto Existe uma figura da mitologia grega que se repete em algumas outras mitologias. Não sei a explicação. Trata-se do sádico Procrusto. Gentil, ele recebia os estrangeiros em sua casa. Se o hóspede fosse menor do que a cama oferecida, ele o esticava até ocupar todo o espaço. Caso fosse maior do que o leito, toda parte do corpo que ficasse para fora era amputada. Reza a lenda (e a wikipedia) que alguns habitantes de Sodoma e Gomorra utilizavam esse método de tortura com forasteiros. Novamente, não sei o que é verdade. A parte mais cruel, porém, é que Procusto tinha duas camas, de tamanhos diferentes.
Nós não somos muito diferentes. Quando convém, subordinamos o problema moral e individual ao coletivo ou ao próximo e nos acomodamos no fatalismo de suas determinações: “sou assim porque não tive educação”, “meus pais não me deixavam fazer nada/ não impuseram limites”, “é o sistema” ou ainda outra que costuma passar desapercebida “se eu não fizer este trabalho outro fará em meu lugar”. Porém, quando não convém, ignoramos toda forma de determinação e culpamos os erros individuais: “o problema não é a forma de governo, é o governante corrupto”, “não é a polícia, é o policial que abusa do poder” ou “só pessoas matam pessoas”. E assim vamos fazendo nossa sociologia desregrada, alternando culpados para não mudar nada e continuar com nossa consciência tranquila ou  para arranjar bodes expiatórios, executá-los secretamente num porão, no deserto ou no oceano e seguirmos com nossas vidas.
Não há, porém, nenhum determinismo no mundo que anule uma intenção. Marketing é maquiagem: você pode usar para esconder os defeitos ou para realçar as qualidades. Mas neutro não pode ser. Marketing toma partido por princípio. Tem sempre uma intenção. Essa é a própria ideia do marketing. As empresas que mais poluem são as que mais investem em programas (e em publicidade) de responsabilidade ambiental. Isso para não falar em responsabilidade social e escravidão moderna.
Por isso fiquei em alerta quando vi a seguinte notícia: Estigmatizada, PM paulista quer investir em Direitos Humanos. Nos dias seguintes vi uma imagem, duas notícias e um pm_spray_criancarelato chocante sobre a polícias paulista, carioca e americanas. A imagem é esta ao lado. As medidas já foram tomadas e o capitão da PM Bruno Schorcht, que disparou o spray na criança foi promovido! Nos EUA circula um vídeo semelhante, do policial John Pike esvaziando seu spray de pimenta em manifestantes sentados e pacíficos no campus da UC Davis, na Califórnia. O relato é o espancamento do antropólogo Danilo Paiva Ramos por um PM na Avenida Paulista. E as notícias foram, primeiro, a doação de US$ 4,6 milhões feitas pelo banco JP Morgan Chase à polícia de Nova York, a maior já feita à fundação em sua história. A nota foi publicada no site do banco sem grandes preocupações. Nos dias seguinte mais de 700 manifestantes do movimento Occupy Wall Street foram presos nas cercanias do banco. Por fim, li com desgosto a nomeação do tenente-coronel Salvador Modesto Madia, co-executor do massacre do Carandirú, ao comando da Rota.
Portanto, é com muita insatisfação que entrego este Selo Pinochet de Direitos Humanos à Policia Militar, seus representantes Bruno Schorcht, Salvador Modesto Madia e John Pike, aos bancos e instituições que desinteressadamente investem na militarização da polícia e do exército e à todos nós que continuamos acreditando que o preço da liberdade é a eterna e militarizada vigilância.

A minha alma tá armada e apontada para cara do sossego
Paz sem voz, não é paz, é medo
As vezes eu falo com a vida, as vezes é ela quem diz:
"Qual a paz que eu não quero conservar, prá tentar ser feliz?"

5 palpites:

Gostei muito do texto, Caio, da maneira como articula as idéias, os argumentos, as informações e como vai, nesse caminho, refletindo sobre tudo isso, trazendo elementos bastante distintos.

O terceiro parágrafo, pra mim, é o coração do texto. Ontem, quando o li, não conseguia sair, como num labirinto, as alternativas não nos dão outra saída senão pela "lógica de culpar outrem" estando acomodado e sem autocrítica. Esse parágrafo extrapola muito os limites do próprio texto. Então, negar este "(E)estado" já passa a ser a primeira coisa pra mim, quando também se apresentam os maiores problemas: e agora?

Acho que são dilemas, e com tal, não deveriam nos levar à paralisia, pelo contrário, e ao mesmo tempo tentando escapar também de expressões e respostas ingênuas, para seguir pensando e trabalhando, por exemplo, até mesmo com Marketing, só que de outras formas...

Abraços

Do caralho!

Procrusto está dentro de cada um, devia ser considerado o símbolo mór da sociedade moderna/contemporânea.

Abraços.

caião, quando eu crescer eu quero ser igual a você.

smac

Muito massa o texto...
fiquei imaginando um monte de gente que merecia esse prêmio, mas o de 2011/2012 tinha mesmo que ser da PM!

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