VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Coluna do Leitor - O cocô do astronauta i otros causo

. . Por Mistura Indigesta, com 8 comentários

Um filósofo certa vez disse – e se não disse, deveria ter dito – que, no fundo, as únicas perguntas realmente importantes são aquelas que podem ser formuladas por uma criança. Esta pequena crônica é sobre a simplicidade das crianças e sua infinita capacidade de nos surpreender com ela. Prometo me esforçar – mas não muito, afinal, devemos evitar a fadiga! (*ver notas no fim do texto) – para desviar do assunto principal somente o necessário – o que quer que faça do necessário, necessariamente, o necessário.


Neste semestre, em que minha filha mais velha se encantou com os dinossauros; com o Justin Bieber [nem tudo sai como o planejado, nesta vida de meudeus!]; e com os astronautas, calhou de eu ser apresentado na condição de aluno à excepcional figura do Professor Laymert (**) em seu pouco óbvio curso sobre
amor-ódio-tecnologia-dominação-capitalismo-política-economia-guerra-greve-crise-universidade-ciências-sociais-e-tudo-o-que-mais-aparecer-pela-frente [afinal, como diria o centro-avante: pipocar, jamais!]. Não pude resistir a contar pra ela que às quartas pela manhã o papai ia pra escola pra estudar sobre os astronautas. Tento – sempre que minha torta moral cristã assim mo permite – mentir pra minha filha dizendo que é possível estudar coisas legais e de um jeito legal na escola, esperando que ela sofra as desilusões dela por ela mesma, ou, tanto melhor, que encontre professores doidos e criativos o suficiente para subverter a chatice institucionalizada em forma de (manicômio?) escola (***).
Estava menos ou mais preparado para explicar pra ela sobre a corrida armamentista e a Guerra Fria; os porquês e os comos da exploração espacial; sobre as conseqüências psicossociais do confinamento dos astronautas na estação espacial; sobre a metáfora consubstanciada na figura do herói no imaginário social do século XX; ou sobre os limites e as possibilidades de subversão do uso da tecnologia espacial no contexto pós-contemporâneo universal; e sobre mais um monte de perguntas com as quais eu me acostumei a fazer/responder [mais responder que fazer] aqui nesta dita Academia [a escola do papai]. Grande coisa. Eu não estava preparado para responder à única pergunta que ela queria que eu – pai, oráculo, especialista – respondesse:

– Papai, como os astronautas fazem xixi e cocô?


Tenho que confessar (****): a pergunta, de tão simples, não tinha nem passado pela minha cabeça. E olha que não foi por falta de aviso. Dentre as infindáveis possibilidades reflexivas que partem dos pouco ortodoxos vídeos escolhidos pelo Professor Laymert para nos provocar, esta certamente estava ali, tão óbvia que sequer pudemos conversar sobre ela. Estavam ali os astronautas – ou cosmonautas, dependendo de quem os mandou pra lá – brincando com as gotinhas de Coca-Cola; com aquelas pseudo-comidas pastosas; com os cabelos recém-cortados a pairar no ar indiferentes às leis e às forças da gravidade (*****). O que chamou a nossa atenção foram as complexas questões da filosofia aliada às condições de gravação e edição de imagens em contextos de dificuldades exageradas.
É claro que eu falei pra ela que eu não sabia como os astronautas faziam xixi e cocô, mas que ia pesquisar e depois contava (******). É mais claro ainda que eu – postergador profissional que o sou – adiei isso um monte – um pouco pra criar nela a expectativa e um muito porque esquecia e/ou tinha preguiça. O que tudo isso me fez pensar e alterou profundamente o modo como voltei para os vídeos do Faroqui exibidos pelo Professor Laymert é que, no espaço, como aqui na Terra, os grandes problemas não são os que exigem as mais complexas tecnologias e os maiores investimentos, mas os problemas mais simples, mais cotidianos, os problemas que as crianças são perfeitamente capazes de formular: O que comer? O que beber? O que vestir? Como amarrar o tênis? Como fazer xixi e cocô? Tem algo babando embaixo da cama?
Depois, eu fiz a pesquisa e até contei pra ela. Não me surpreendi que ela achou a resposta meio brochante e não entendeu direito o que era gravidade, e – muito menos – porque os astronautas têm que fazer xixi e cocô numa mangueirinha que puxa o xixi e o cocô pra dentro de uma cápsula [ela adorou essa palavra] que eles guardam para trazer de volta pro planeta Terra quando voltam. Ficou revoltada quando eu disse que, às vezes, se a volta demorar demais, eles têm que jogar essa cápsula no espaço [– Que porcalhice!] e que ela é atraída pela órbita da Terra e explode que nem estrela cadente.


– Estrela cadente de cocô (*******)??

Essa história de cocô de astronauta me fez lembrar daquele causo – pra mim, o melhor causo de astronauta de todos os tempos – de que ao constatar a impossibilidade das canetas usuais escreverem na ausência de forças de gravidade, os estadunidenses gastaram milhões de dólares para desenvolver uma que escrevesse no espaço, debaixo d’água, no meio de um furacão ou de uma erupção vulcânica. Já os russos, conta o causo, usaram lápis.
A mim, pouco me importa se o causo é verdadeiro ou não. Estou nessa [e em muitas outras] com Adoniran Barbosa, que se inventou uma pá de veiz: – Se o meu inventado for melhor que sua história, eu fico com o meu inventado e você que fique com a sua história.
Mas confesso que, ingenuamente, como se ainda fosse uma criança – quem me dera! –, fiquei pensando... Bem que eu gostaria que toda a merda feita pelos homens e pelas mulheres pudesse ser mandada pro espaço. E melhor ainda se virasse estrela cadente.
Qual foi o seu pedido, meu amor? (********)
____

Notas
* Neste texto, astericos são notas de rodapé, portanto, são fundamentais à leitura, volte sempre aqui.
** Por favor, senhor editor, não cometa o despropósito de inserir aqui um linque para (a capivara virtual?) o lattes do Professor Laymert. Se for necessário para atender às linhas editoriais da sua (Feitoria?) Editoria, escolha algum “lugar” menos deselegante.
*** Jornal do CAECO (Centro Acadêmico de Economia), IE (Instituto de Economia), UNICAMP.
**** Com efeito, não tenho. A folha está em branco e eu poderia digitar o que quisesse, mas adoro essa técnica literária de demonstrar fraqueza ante @ leitor@. De algum modo el@ gosta de ver a fragilidade do escritor e a sua submissão @(o) leitor@, que pensa que é muito mais importante que o escritor. Aliás, é mesmo. [Viu como funciona?] Se você ainda se lembrar do que trata o texto, tiro pra você o meu chapéu e o convido a voltar à leitura no ponto por mim interrompido para essa gostosa [para mim] e completamente desnecessária digressão ao final da qual fica demontrado que, por mais importante que o leitor seja, qualquer escritorzinho de meia tigela é capaz de manipulá-lo, forçando-o a segui-lo ou a abandonar o texto imediatamente. O que, definitivamente, quero que você não faça e, portanto, volto ao texto e você volta junto comigo.
***** Curioso como longe da gravidade [nota para a ironia!] a primeira reação de todo mundo parece ser o sorriso. Ou é isso o que nos fazem acreditar os editores de imagens de astronautas, não sei dizer.
****** Recurso mais ou menos (picareta?) verdadeiro que todo professor de crianças precisa aprender a utilizar muito rapidamente para sobreviver numa sala de aula em que a um clique se pode saber o nome do pai de Tutankamón ou com quantos paus se faz uma canoa. Apesar de que ainda hoje me pergunto sem saber a resposta se, neste sentido, o professor não se tornou, de fato, um artigo mais obsoleto que o giz sobre o quadro negro.
[ps: quando criança, nunca entendi porque chamavam lousa verde de quadro negro e até hoje ainda não sei, mas parei de me perguntar. Me venceram. E eu nem sequer sei quem eles são. Mas sei – se é que serve de consolo – que “eles”, nessa oração, são um sujeito muito indeterminado.]
******* Aliás, minha filha mais nova achou essa coisa de estrela cadente de cocô de astronauta muito engraçada e até hoje me pede para contar essa história pra elas e quase morre de rir, mesmo depois de eu ter contado cerca de 1039 vezes exatamente a mesma história, como, aliás, elas exigem. Jamais tente mudar uma história contada pra uma criança. Ela quer ouvir exatamente do mesmo jeito que você contou da outra vez, o que faz com que seja praticamente impossível inventar de cabeça – por que depois não dá pra lembrar di-rei-ti-nho – e constitui a principal razão de ser de livrinhos de historinha e da permanência em nosso imaginário de histórias ancestrais como a chapeuzinho vermelho e a branca de neve e os sete anões – que nem são tão boas assim, vai...
******** Se o leitor habituado a frequentar esse blogue pensar que o final foi feito pelo Hugo Tia Vatta, saiba que não foi. Mas fica a ele por mim dedicado. Na minha opinião, orna com o seu modo todo meigo de escrevinhar quando não fica com chatices antropologéticas.

Thiago Fernandes Franco é recém ingressante no doutorado em História Econômica, no IE/ UNICAMP, mas hoje é só o "papai Peixe".

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Selo Pinochet de Direitos Humanos 2011

. . Por Caio Moretto, com 5 comentários

selo_pinochet3 Trabalhei algum tempo como redator publicitário. Durante a crise de consciência que começou a me afastar deste ofício, um amigo, na tentativa de me convencer a continuar na área, acabou me dando o empurrão final que eu precisava para sair. Na época estávamos fazendo a propaganda de um selo ambiental para uma companhia de papel, que carinhosamente apelidei de Selo Pinochet de Direitos Humanos. Tentando aliviar minha consciência ele me disse: “Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.”
procusto Existe uma figura da mitologia grega que se repete em algumas outras mitologias. Não sei a explicação. Trata-se do sádico Procrusto. Gentil, ele recebia os estrangeiros em sua casa. Se o hóspede fosse menor do que a cama oferecida, ele o esticava até ocupar todo o espaço. Caso fosse maior do que o leito, toda parte do corpo que ficasse para fora era amputada. Reza a lenda (e a wikipedia) que alguns habitantes de Sodoma e Gomorra utilizavam esse método de tortura com forasteiros. Novamente, não sei o que é verdade. A parte mais cruel, porém, é que Procusto tinha duas camas, de tamanhos diferentes.
Nós não somos muito diferentes. Quando convém, subordinamos o problema moral e individual ao coletivo ou ao próximo e nos acomodamos no fatalismo de suas determinações: “sou assim porque não tive educação”, “meus pais não me deixavam fazer nada/ não impuseram limites”, “é o sistema” ou ainda outra que costuma passar desapercebida “se eu não fizer este trabalho outro fará em meu lugar”. Porém, quando não convém, ignoramos toda forma de determinação e culpamos os erros individuais: “o problema não é a forma de governo, é o governante corrupto”, “não é a polícia, é o policial que abusa do poder” ou “só pessoas matam pessoas”. E assim vamos fazendo nossa sociologia desregrada, alternando culpados para não mudar nada e continuar com nossa consciência tranquila ou  para arranjar bodes expiatórios, executá-los secretamente num porão, no deserto ou no oceano e seguirmos com nossas vidas.
Não há, porém, nenhum determinismo no mundo que anule uma intenção. Marketing é maquiagem: você pode usar para esconder os defeitos ou para realçar as qualidades. Mas neutro não pode ser. Marketing toma partido por princípio. Tem sempre uma intenção. Essa é a própria ideia do marketing. As empresas que mais poluem são as que mais investem em programas (e em publicidade) de responsabilidade ambiental. Isso para não falar em responsabilidade social e escravidão moderna.
Por isso fiquei em alerta quando vi a seguinte notícia: Estigmatizada, PM paulista quer investir em Direitos Humanos. Nos dias seguintes vi uma imagem, duas notícias e um pm_spray_criancarelato chocante sobre a polícias paulista, carioca e americanas. A imagem é esta ao lado. As medidas já foram tomadas e o capitão da PM Bruno Schorcht, que disparou o spray na criança foi promovido! Nos EUA circula um vídeo semelhante, do policial John Pike esvaziando seu spray de pimenta em manifestantes sentados e pacíficos no campus da UC Davis, na Califórnia. O relato é o espancamento do antropólogo Danilo Paiva Ramos por um PM na Avenida Paulista. E as notícias foram, primeiro, a doação de US$ 4,6 milhões feitas pelo banco JP Morgan Chase à polícia de Nova York, a maior já feita à fundação em sua história. A nota foi publicada no site do banco sem grandes preocupações. Nos dias seguinte mais de 700 manifestantes do movimento Occupy Wall Street foram presos nas cercanias do banco. Por fim, li com desgosto a nomeação do tenente-coronel Salvador Modesto Madia, co-executor do massacre do Carandirú, ao comando da Rota.
Portanto, é com muita insatisfação que entrego este Selo Pinochet de Direitos Humanos à Policia Militar, seus representantes Bruno Schorcht, Salvador Modesto Madia e John Pike, aos bancos e instituições que desinteressadamente investem na militarização da polícia e do exército e à todos nós que continuamos acreditando que o preço da liberdade é a eterna e militarizada vigilância.
A minha alma tá armada e apontada para cara do sossego
Paz sem voz, não é paz, é medo
As vezes eu falo com a vida, as vezes é ela quem diz:
"Qual a paz que eu não quero conservar, prá tentar ser feliz?"

domingo, 4 de dezembro de 2011

Dia do Doutor

. . Por Unknown, com 2 comentários

(" 'É gozado', refleti, 'ver o que nós pensávamos há cinco anos'.
'Concordamos (...) que o objetivo da vida
é formar boas pessoas e produzir bons livros'. (...) 'Um bom homem
deve ser ao menos honesto, apaixonado
e desinteresseiro'." V. Woolf)


Passei boa parte da infância e da adolescência indo a um estádio de futebol. Não ia à escolinha, não treinava, mas acompanhava meu tio e meus primos ao Santa Cruz, estádio do Botafogo Futebol Clube, de Ribeirão Preto. Ali nasceu a minha paixão pelo futebol, e não que eu não torcesse nem acompanhasse antes, o São Paulo era o meu clube até então, mas ir ao estádio rotineiramente me encantou. Eram jogos da segunda, até da terceira, e, felizmente, inclusive da primeira divisão dos campeonatos estadual e nacional. Emoção, raiva, tristeza, decepção, alegria, felicidade, quantos sentimentos a gente experimenta em tão poucos minutos.
Um campeonato foi muito especial pra mim, e pra muitos botafoguenses, claro, o paulista de 2001. Nele o Botinha foi vice campeão, perdendo a final para o Corinthians. A semifinal com a Ponte Preta, contudo, foi um dos momentos mais bonitos, uma vitória apertada em casa, num dois a um cheio de gols perdidos, defesas, o estádio completamente lotado, a enorme bandeira da torcida do Bota. E naquele dia, eu que nunca havia ido com a camisa do clube ao campo, quis ir, era especial. Antes de entrar no estádio, porém, ao cruzar com torcedores adversários, entendi que futebol não era só esporte, diversão, aprendizado, envolvimento humano. Futebol é uma loucura, não tenho a menor dúvida, hoje. Tive que retirar a camisa, meu tio e eu fomos chutados e empurrados até a porta do estádio por torcedores da outra equipe enquanto policiais assistiam a tudo... Nenhuma novidade pra ninguém. Continuei indo ao estádio muitos anos depois disso, mesmo assim.
Mas muitas coisas, especialmente fora do campo, na política do futebol que muitas vezes não diz respeito somente ao esporte, foram me levando até mesmo a vontade de assistir a uma partida. Neste campeonato brasileiro que se encerrou hoje, por exemplo, mal vi os jogos, tal a repulsa pelas notícias que envolvem a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, Ricardo Teixeira, a construção dos novos estádios, o uso do dinheiro público. A péssima declaração do ídolo Ronaldo na semana passada é só mais um exemplo. E o Corinthians nunca foi a equipe de que mais gostei, pelo contrário, como é de se imaginar. A mesma antipatia que tenho pelo Juvenal Juvêncio só se reflete na sua imagem mais jovem, pra mim, dentro do parque São Jorge, com Andres Sanches. O futebol brasileiro parece ser resolvido, administrativamente, como se fosse o sofá da cozinha aqui de casa... não consigo aceitar...
Na manhã de hoje, porém, tomei um enorme susto, porque a primeira notícia veiculada na data de meu aniversário era a morte do Doutor Sócrates. Chorei. Tenho um amigo, meio japonês, meio boliviano, meio barrigudinho, que vive dizendo que eu torno os acontecimentos ao meu redor, especialmente os infortúnios, uma espécie de mania de perseguição, ou de teoria da conspiração, como se o mundo estivesse contra mim: o coitadinho. Ele também é meio (sic) exagerado. Tenho é sorte por ter os amigos que tenho. Em poucos minutos, não conseguia deixar a lembrança das palavras de um senhor pequenino que sempre estava ao nosso lado no estádio anos atrás. No meio de um jogo, ele contava, diante da perda de um jogador nosso que saia machucado, a esperança que tinha sempre que isso acontecia, que o absurdo de uma tarde nos anos 70 se repetisse. Ainda no poliesportivo do clube, num jogo importante, valendo a classificação da equipe, logo no primeiro tempo o craque de então se machucou, fazendo com que muitos no campo se desesperassem, só poderia ser um sinal do fim trágico... Mais desesperançados ainda ficaram quando um sujeito completamente esguio, aparentando uma fragilidade gritante, e de cerca de 1,90 de altura fora chamado para substituir o jogador que saía contundido. O primeiro passe de calcanhar daquele que entrara fez com que seu nome não mais saísse da memória de todos: era Sócrates.
Impossível recontar a história que se seguiu. A vida no Botafogo, no Corinthians, a Democracia Corinthiana, a Seleção de 82, a medicina, a clareza e o posicionamento polí­tico. Só posso, só podemos, todos, afirmar, destacar a dignidade de um sujeito, de um ser humano. Pra quem o viu senão muitas, pelo menos algumas vezes, era sem dúvida um cara muito legal, simplesmente, admirável, muito acima de qualquer idolatria banal.
Me perguntei a manhã toda se não fora o destino (se é que ele existe) quem retirou de Sócrates a oportunidade de ver o quinto tí­tulo brasileiro do Corinthians. Será que Sócrates queria ver este título? Será que vivia também alheio a emoção do esporte que tanto encheu de arte ao jogar, que tanto preencheu de reflexão e crítica ao trazer o que nunca esteve longe dos gramados, a vida social e política do país? Será que de tanto o futebol se tornar... se tornar... se tornar isso, uma mercadoria, uma ilusão para muitos adolescentes e uma desgraça para tantos profissionais, permeados pela escrotice de dirigentes e administradores, até mesmo o Doutor Sócrates, um apaixonado pelo futebol, ironicamente, teria preferido não ver o tí­tulo por tudo isso? Não... não... triste casualidade, só podem ser delírios pretensiosos de minha parte, colocando-o na mesma condição que a minha, um aniversariante neurótico. Redundância dizer que se Sócrates não se calou diante de tudo isso que é o futebol recentemente, ele também não escondia de ninguém a alegria de sentir a felicidade de tanta gente, de tantos torcedores pelo paí­s... Porque pra além da arte, da política, há a vida. Ele estaria muito feliz.
E eu, que continuo um secador do Corinthians, depois de não conseguir entender tamanho acaso hoje, por causa do Doutor, me vi no meio da tarde morrendo de vontade de correr até a janela e comemorar o meu aniversário gritando: VAI CURÍNTHIA!!

(blog do Juca Kfouri)

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