Ao que tudo indica, o filme argentino "Medianeras", infelizmente, será pouco visto por aqui. Acabou perdendo espaço para superproduções (como Planeta dos Macacos e Árvore da Vida) e para filmes de diretores consagrados (como Melancholia e Super-8). Pode ser que, posteriormente, aconteça como seu fantástico compatriota “O Segredo dos seus olhos”, que acabou voltando à cena após a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas semana passada, na seção de cinema do shopping, não somavam 10 espectadores, contando comigo e Rita, mi novia...
É uma pena, pois Medianeras é um daqueles filmes inclassificáveis, que consegue tocar em questões existenciais e sociais, sem certa “chatisse” que tal missão possa indicar. Neste sentido, leve sem ser superficial, lembra um pouco de “Pequena Miss Sunshine” ou, para pegar um exemplo mais recente, de "Juno", por mesclar o humor às situações trágicas do dia-a-dia.
Se em "Pequena Miss Sunshine" temos uma garotinha de família problemática que ingenuamente desafia os padrões da sociedade do espetáculo e em "Juno" a gravidez precoce de uma confusa adolescente, aqui, em "Medianeras", os desencontros de dois jovens fazem fundo a uma sagaz crônica da vida em uma metrópole.
O filme narra, paralelamente, as vidas de Martin (Javier Drolas), um webdesigner afetado por diversos transtornos de comportamento, e de Mariana (Pilar López), uma arquiteta frustrada e claustrofóbica que acaba de sair de um traumático relacionamento. Os dois são vizinhos que nunca se perceberam, jovens típicos da geração Y, com histórias semelhantes, imersos na solidão e que, mesmo sem saber, estão sempre em situações de quase encontro um com o outro. Com este jogo, o sagaz diretor Gustavo Taretto nos incita, espectadores, a torcer pelo encontro de ambos sem nos darmos conta de que também somos vítimas de nossas próprias solidões e prisões. O isolamento, neste caso, aparece como uma tentadora proposta do mundo urbano, cenário do qual somos parte. É comum que, durante o filme, associemos a Buenos Aires narrada com Campinas ou São Paulo.
Em determinados momentos do roteiro, Martin e Mariana fazem o papel de narradores-personagens, recitando textos pertinentes, em forma e conteúdo, e que, em diálogo com belas imagens da arquitetura urbana, compõem poéticas crônicas para o século XXI. Já com a característica de mistura de diferentes linguagens: o texto, fotografia, quadrinhos, áudio e visual.
Nas entrelinhas do roteiro, o questionamento e estranhamento de detalhes banais do cotidiano da cidade e que parecem já internalizados em nosso cinza espírito: os fios que enfeiam o céu, os prédios que escondem o Sol, a falsa promessa da “conexão” entre as pessoas, a publicidade nas medianeiras, o fracasso da caixa de e-mail vazia. É a angústia de uma classe média que, embora média, sente-se traída pelo esgotamento das promessas de uma vida urbana plena, revivendo, em outros moldes, o desencanto romântico pré-moderno do final do século XIX. A história se repete, tragédia e farsa.
Do cinema, saímos com a sensação curiosa de refletirmos sobre as trajetórias que poderiam ter sido e que não foram, sentindo, com certa graça e resignação, a impossibilidade de controle sobre o destino. No restaurante do shopping, no lanche-de-namorados-pós-seção-das-19h, olhávamos atentos para as pessoas sentadas às mesas e, assim como é comum fazermos no metrô, brincamos de descobrir que narrativa cada um traz consigo: para onde vão, de onde vieram, em qual estação saltarão. Ou, mais além, quantos encontros perdidos pelo caminho, quantos amores evitados pelo acaso. Impossível saber. Em alguns momentos, Mariana compara a vida na cidade ao livro “Onde Está Wally”, como se, sem rumo, esperássemos pelo encontro de algo que não sabemos o quê. O mundo, uma somatória de narrativas paralelas dispersas. Quando lemos os versos de Vinicius de Moraes, “a vida é a arte do encontro/ embora haja tanto desencontro pela vida”, pensamos em sua vida boêmia de amores deixados pra trás, mas Taretto vai além e faz da frase o mote da vida nos grandes centros. Para se ter relações humanas orgânicas entre os arranha-céus da urbe, é preciso desafiar a artificialidade do avatar de cada um, ultrapassar o limite imposto pelo espetáculo que faz da relação entre os homens uma relação mediatizada por imagens. Para lidar com a sombra dos prédios é preciso derrubar paredes, construir novas janelas, preparar o jardim, deixar o Sol entrar para que o acaso pouse e, enfim, o encontro possa acontecer.
É uma pena, pois Medianeras é um daqueles filmes inclassificáveis, que consegue tocar em questões existenciais e sociais, sem certa “chatisse” que tal missão possa indicar. Neste sentido, leve sem ser superficial, lembra um pouco de “Pequena Miss Sunshine” ou, para pegar um exemplo mais recente, de "Juno", por mesclar o humor às situações trágicas do dia-a-dia.
Se em "Pequena Miss Sunshine" temos uma garotinha de família problemática que ingenuamente desafia os padrões da sociedade do espetáculo e em "Juno" a gravidez precoce de uma confusa adolescente, aqui, em "Medianeras", os desencontros de dois jovens fazem fundo a uma sagaz crônica da vida em uma metrópole.
O filme narra, paralelamente, as vidas de Martin (Javier Drolas), um webdesigner afetado por diversos transtornos de comportamento, e de Mariana (Pilar López), uma arquiteta frustrada e claustrofóbica que acaba de sair de um traumático relacionamento. Os dois são vizinhos que nunca se perceberam, jovens típicos da geração Y, com histórias semelhantes, imersos na solidão e que, mesmo sem saber, estão sempre em situações de quase encontro um com o outro. Com este jogo, o sagaz diretor Gustavo Taretto nos incita, espectadores, a torcer pelo encontro de ambos sem nos darmos conta de que também somos vítimas de nossas próprias solidões e prisões. O isolamento, neste caso, aparece como uma tentadora proposta do mundo urbano, cenário do qual somos parte. É comum que, durante o filme, associemos a Buenos Aires narrada com Campinas ou São Paulo.
Em determinados momentos do roteiro, Martin e Mariana fazem o papel de narradores-personagens, recitando textos pertinentes, em forma e conteúdo, e que, em diálogo com belas imagens da arquitetura urbana, compõem poéticas crônicas para o século XXI. Já com a característica de mistura de diferentes linguagens: o texto, fotografia, quadrinhos, áudio e visual.
Nas entrelinhas do roteiro, o questionamento e estranhamento de detalhes banais do cotidiano da cidade e que parecem já internalizados em nosso cinza espírito: os fios que enfeiam o céu, os prédios que escondem o Sol, a falsa promessa da “conexão” entre as pessoas, a publicidade nas medianeiras, o fracasso da caixa de e-mail vazia. É a angústia de uma classe média que, embora média, sente-se traída pelo esgotamento das promessas de uma vida urbana plena, revivendo, em outros moldes, o desencanto romântico pré-moderno do final do século XIX. A história se repete, tragédia e farsa.
Do cinema, saímos com a sensação curiosa de refletirmos sobre as trajetórias que poderiam ter sido e que não foram, sentindo, com certa graça e resignação, a impossibilidade de controle sobre o destino. No restaurante do shopping, no lanche-de-namorados-pós-seção-das-19h, olhávamos atentos para as pessoas sentadas às mesas e, assim como é comum fazermos no metrô, brincamos de descobrir que narrativa cada um traz consigo: para onde vão, de onde vieram, em qual estação saltarão. Ou, mais além, quantos encontros perdidos pelo caminho, quantos amores evitados pelo acaso. Impossível saber. Em alguns momentos, Mariana compara a vida na cidade ao livro “Onde Está Wally”, como se, sem rumo, esperássemos pelo encontro de algo que não sabemos o quê. O mundo, uma somatória de narrativas paralelas dispersas. Quando lemos os versos de Vinicius de Moraes, “a vida é a arte do encontro/ embora haja tanto desencontro pela vida”, pensamos em sua vida boêmia de amores deixados pra trás, mas Taretto vai além e faz da frase o mote da vida nos grandes centros. Para se ter relações humanas orgânicas entre os arranha-céus da urbe, é preciso desafiar a artificialidade do avatar de cada um, ultrapassar o limite imposto pelo espetáculo que faz da relação entre os homens uma relação mediatizada por imagens. Para lidar com a sombra dos prédios é preciso derrubar paredes, construir novas janelas, preparar o jardim, deixar o Sol entrar para que o acaso pouse e, enfim, o encontro possa acontecer.