Vou ser
pai! Recebo a notícia com incrível felicidade. O fato de ser
responsável por um outro ser humano totalmente indefeso obviamente
me assusta. Assim como me assusta uma segunda responsabilidade que a
acompanha. Da necessidade de tornar-me um exemplo para alguém parece
surgir uma estranha responsabilidade de ser eu mesmo em toda a minha
plenitude.
De tempos
em tempos tenho alguns espasmos de integridade, que me impelem, na
voz de Nietzsche (interpretado por Marco Nanini, na minha
imaginação), a derrubar minhas máscaras e desculpas: “Torna-te
quem tu és!”. Há algum tempo tenho substituído racionalmente
esse impulso por outro um pouco mais racional e menos essencialista:
“torna-te quem você quer ser”, algo como sugeria a Clarice
Lispector ao se perguntar: “se eu fosse eu, o que eu faria?”.
A
primeira vez que resolvi que eu não poderia ser outra pessoa senão
eu mesmo (“everyone else is taken”, já disse Wilde) foi
quando me apaixonei pela Mari. Fiquei tão desnorteado com a
possibilidade de encontrar alguém com quem eu gostaria de passar
todos os instantes, que não suportaria que ela se apaixonasse por um
personagem. A aposta, portanto, era total: ou ficaríamos juntos
porque ela gostaria de mim exatamente como eu era, ou que eu sofresse
por saber que ela não gostava de mim, mas do Caio verdadeiro.
Ignorei, então, sumariamente todos os conselhos de colegas, parentes
e seriados de tevê. E – o que permanece até hoje um mistério
inexplicável – funcionou.
Outro
forte espasmo de integridade do qual me recordo veio quando me vi
professor de jovens e percebi que o discurso “faça o que eu digo,
não faça o que eu faço” não colaria ali. Sentindo-me
responsável pelo exemplo que quero ser para os meus alunos, voltei a
me preocupar intensamente com quem eu quero ser.
Numa
dessas aulas ensino meus alunos que para Sartre não existe nenhum
determinismo absoluto. Para ilustrar a questão, numa dramaticidade
talvez mais própria de Kierkegaard, peço que imaginem uma pessoa
condenada à morte. Mesmo que não haja como escapar da morte, ainda
lhe resta a escolha: morrer resistindo ou aceitando a pena? Acho
lindo, no existencialismo, que esse projeto seja algo totalmente
individual, mas, ao mesmo tempo, uma construção que só é possível
em conjunto, em alteridade. Sem a comunicação, talvez a
possibilidade de ressignificar fatos inalteráveis não existisse e,
portanto, não seria possível decretar o fim dos determinismos
absolutos.
Se por um
lado “o inferno são os outros”, por outro lado a presença em
minha vida de um interlocutor que eu seja capaz de amar faz com que
eu me entregue integralmente e não desista desse projeto de mim
mesmo, que exige um engajamento total do meu ser. O clichê de que
“seu amor me faz querer ser uma pessoa melhor”, não me parece
totalmente errado, portanto, se o conceito de “melhor” permanecer
subjetivo. Senti isso quando me apaixonei pela Mari, quando me
apaixonei pelos meus amigos e quando me apaixonei pelos meus alunos.
Hoje, mesmo antes de saber como será, sinto essa responsabilidade de
me engajar totalmente em meu projeto existencial em toda sua
potência, porque antecipo o amor que sinto pelo meu filho.
Creio,
hoje, que a primeira responsabilidade de ser pai, não é abrir mão
de quem eu sou. Talvez o oposto disso. Mas escrevo em primeira
pessoa, não generalizo, afinal, “ninguém nasce pai, torna-se
pai”. Paternidade, assim como a maternidade, são apenas conceitos,
que podemos ressignificar.
Espero que você também possa encontrar nesse ano
pessoas que te façam ter tesão pelo seu próprio projeto de vida,
para que você possa, como dizia Nietzsche, fazer da sua vida uma
obra de arte.